Capítulo 78 (revisado)

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        Cercada por canibais famintos era um sonho do qual eu queria acordar, ou eu deveria dizer pesadelo? Ozônio e eu travamos muitas batalhas juntos, a maioria delas acabou dando errado  e Daryl acabava chegando para nos salvar. Mas eu desconfiava que ele estivesse muito ocupado agora para nos ajudar, e isso me deixava em pânico, porque desde o início, foi ele quem me guardou do perigo, mesmo não sendo obrigação dele. 

-Não se preocupe Maria- disse Ozônio baixando a arma lentamente.

-O que você está fazendo? perguntei mirando minha própria arma para tantas pessoas quanto fosse possível. Entre os canibais, havia uma mulher, no auge de uma gestação, a protuberância da barriga exposta ao perigo. Eu senti uma necessidade de afagar a minha própria barriga que ainda nem despontava direito, queria acalmar o meu filho, protegê-lo. 

-Entregue a arma Maria- Ozônio instruiu. 

-De jeito nenhum- respondi encarando a todos- E se você morrer como um maldito covarde... eu vou matar você. 

-Confie em mim- pediu. Eu apenas negava com a cabeça. 

-Escute o seu amigo- disse um homem com barba de motoqueiro, ele tinha os dentes escuros, como podres e a careca reluzia com a luz do sol- Se renda e não irá sofrer tanto. 

-Você quer ser o primeiro a levar bala? perguntei seca, nenhum pouco hesitante de atirar nele quando o momento chegasse. Ele sorriu exibindo ainda mais os dentes mortais. 

-Ela é durona- disse a mulher ao lado dele- Será que eu serei mais corajosa quando comer a carne dela? senti meu estômago se contorcer. Mesmo estando grávida eu não conseguia sentir medo de atirar nela. A criança em seu ventre não era assim tão inocente se estivesse crescendo alimentada com a mesma carne da qual era formada. Talvez eu lhe fizesse um favor. 

-Poupem a vida dela- pediu Ozônio com uma expressão indiferente no rosto- Ela é magrela, eu tenho mais para alimentar vocês. Eu o censurei com o olhar. 

-Lucas disse que ela está grávida- disse um homem baixinho e rechonchudo que estava atrás do grupo- Talvez devêssemos deixá-la ir.

O homem que falara comigo por primeiro deu um tapa em seu ouvido. 

-Precisamos dos dois- afirmou. O baixinho se retraiu e voltou para o seu posto na reta guarda. 

-Sopa precisa de osso- voltou a dizer a mulher. 

-Por favor- implorava Ozônio- Deixem-na ir.

-Se você faz questão de morrer no lugar dela pode ir primeiro- disse o careca. 

-Ela deve ser importante para você- disse a mulher acariciando os cabelos de Ozônio e lambendo os beiços negros- Você é o pai da criança?

-Sou- mentiu ele.

-Não é- berrou o careca- Lucas garantiu que o pai era o das asas de anjo. Aquele que tem nos dado muito trabalho para caçá-los. 

-Aquele homem lindo- disse a mulher cercando-me, colocando a cabeça da mira da minha arma, correndo o risco- Eu quero ele como o pai da minha criança também- ela falava rindo como uma bruxa. 

-Talvez possamos recrutá-lo- tornou a dizer o baixinho. 

-Não seja tolo Perseu- falou o careca- Ele jamais se juntaria a nós, nem se matássemos a mulher e poupássemos a vida dele. 

-Talvez eu o convença, Barba- disse  a mulher com um sorriso malicioso- Talvez ele goste de mim. 

-Ele gostaria mais de um esquilo, eu garanto- respondi a ela com o mesmo sorriso malicioso. 

-Vadia- acusou ela.

-Prefere uma vadia também- continuei. Ela puxou uma faca de lâmina brilhante para cima e cerrou os dentes. 

-Vou cozinhar seus ossos na sopa- grunhiu. 

-Vem pegar- falei apontando a arma na linha de seus olhos. Ela fez menção de avançar mas o Barba segurou-a pelo braço. Ele levantou uma mão e murmurou algo para o restante do grupo que nos cercava, todos ergueram  arco e apontaram as flechas. 

-Aqui não é a hora e nem o lugar ideal Maria- disse o Barba- Não queremos levar carne fria pra casa, viemos de muito longe buscar este banquete e não queremos desperdiçá-lo. 

-Maria, por favor- implorava Ozônio com o rosto endurecido. Havia algo em seu olhar que demonstrava ansiedade. 

"O que você está tramando?" perguntei mentalmente como se ele pudesse dar uma de Thomas e Teresa e me responder. Ele olhava atentamente ao redor, só então percebi que não ouvia mais nenhum grito de guerra na floresta. 

-Tem algo errado- comentou um dos soldados do mal, ele também procurava atentamente por algo na floresta. 

-O que há Dave? perguntou Barba encarando-o. 

-Precisamos ir agora- anunciou ele mexendo-se rapidamente e apontando a flecha em todas as direções. 

-Mas que diabos... - Barba foi interrompido pelo som de uma explosão vinda do norte, a direção para onde Daryl sumira. 

-Vamos- ordenou ele mais do que depressa, virou-se para mim e andou na minha direção. O tiro explodiu e uma onda de sangue se espalhou pelo corpo exposto da mulher ao seu lado. Eu olhei firme para a arma, sequer havia tocado o gatilho. 

-De onde veio isso? -gritou outro dos arqueiros. 

-Foi ela- gritou a mulher partindo para cima de mim, e desta vez sim, sem hesitar, eu apertei o gatilho e o som da minha bala rasgando o ar abafou os gritos de pânico dos demais. Ela caiu, o corpo inerte por cima do homem. A barriga enorme exposta. 

-Corram! gritou alguém e todos se espalharam, alguns apontaram as flechas em minha direção, mas Ozônio foi mais rápido e jogou seu corpo contra o meu. 

O silêncio. O pânico. A dor. O medo. Tudo tomou conta de mim. Eu acabara de matar uma mulher grávida. Foi como matar a mim mesma. 

-Maria- gritava Ozônio me levantando do chão- Vamos- ele gritava. Um pouco manco ainda, acompanhei-o pela trilha para onde seguíamos quando fomos interrompidos. Olhei para trás na intenção de ver a cena do mal sendo combatido, mas não haviam mais dois corpos derrubado no chão. Só uma trilha de sangue que seguia mata adentro. 

-Para onde eles foram? perguntei a Ozônio parando subitamente de correr. 

-Levaram- ele respondeu ofegante- Eles os levaram. 

-Precisamos encontrá-los- gritei- acabar com isso. Ou eles voltarão como mortos. 

-Deixe-os Maria- disse ele puxando-me para frente- Eles se foram. Eu o segui a passos tortos até que ele parou e respirou fundo. 

-O que foi? perguntei nervosa. 

-Temos companhia- avisou ele. 

-De novo? eu disse apertando a arma e virando-me para olhar. Mas o que estava em meu campo de visão não pareciam canibais. Pareciam com homens armados vestindo roupas militares. Talvez porque fossem. 

-Esse é o nosso plano- disse Ozônio confundindo-me ainda mais- Você está a salvo agora Maria. 

Os homens sorriram e baixaram as armas. Confusa, eu também baixei a minha. Ozônio me passou um olhar de confiança e de alguma forma eu soube que tudo ficaria bem. 

DIXON - No Fim Do Mundo Onde histórias criam vida. Descubra agora