- Carolina! Carolina! – era a minha mãe.
Eu me mexi na cama, abri os olhos e olhei o relógio no criado-mudo. Eram cinco da manhã. Ninguém poderia acordar antes das dez em um domingo. Bocejei e cobri a cabeça com o travesseiro. Mas, a voz da minha mãe estava tão alta que eu conseguia ouvir mesmo assim. Encolhi o meu corpo, como se isso fosse ocultar o som da voz dela. Mas, estava mais próxima. Cara, como ela pode fazer isso em pleno domingo? Era tudo o que eu conseguia pensar.
Ouvi o barulho da porta se abrindo, os passos de mamãe e ela vindo com as suas garrinhas puxar o meu edredom.
- Manhê não, não... – eu falei brigando com ela, puxando o edredom, tentando fazer com que ele cobrisse o meu corpo novamente.
- Carolina para de ser preguiçosa, menina, eu preciso de você lá na loja, caramba! – ela puxou o edredom de uma única vez. Senti meu corpo tremer todo. Estávamos em julho, estava muito frio. Senti o frio da madrugada adentrando em meus poros e eu me encolhi ainda mais, ficando em posição fetal. Nesse instante, desejei voltar para o útero de mamãe, quando a vida era realmente boa. Não tenho memória, mas um feto só come e dorme (acho), não é mesmo? Tem coisa melhor? Não.
Eu apertei o travesseiro com mais força na minha cara. Não queria acordar, era domingo, afinal. Escutei os passos de mamãe se afastando. Dei uma olhada e ela não estava mais no quarto, peguei o edredom que ela havia deixado no chão e me cobri de novo, coloquei o travesseiro debaixo da cabeça. Pelo visto, mamãe havia desistido de mim. Na verdade, eu já sabia disso há muito tempo. Não que eu me importasse muito. Principalmente, dormindo.
Logo eu dormi novamente, mas acordei logo em seguida afogando. A água entrou pela minha boca e pelas minhas narinas. O ar sumiu e eu levantei num pulo balançando os braços como uma ave que quer pegar voo. Demorei para abrir os olhos, e quando abri vi mamãe segurando um balde nas mãos. Ela estava com um sorriso triunfante estampado no rosto. Seus olhos diziam: TE VENCI.
Eu praguejei e falei um monte de palavrões. Mamãe me olhou indignada e brava. – Por favor, Carolina, não me desrespeite! Tome banho, se troque e vamos. – falou impacientemente e saiu do quarto novamente.
Bufei com raiva. Como ela podia me acordar com uma baldada de água na cara? Abri a porta do meu armário, eu havia colocado um espelho para ter onde me olhar. Meu cabelo estava todo bagunçado e as pontas estavam enrolando. Apesar, de eu ser negra, eu tinha um cabelo ondulado, não era crespo, e eu fazia de tudo para conservá-lo liso, com uma franjinha estilo Naomi Campbell. Aliás, ela era minha musa estrangeira inspiradora. Eu tinha um pôster dela colado na parede do meu quarto, ao lado de um da Tais Araújo, quem era a minha musa brasileira inspiradora.
Eu fui para o banheiro e tomei um banho muito demorado. No meio do meu banho de beleza, minha mãe começou a bater freneticamente na porta.
- PELO AMOR DE DEUS, CAROLINA! VAMOS LOGO!
Mas, eu não me atingi. Minha mãe tinha uma loja dentro de uma galeria no Brás. Era uma loja minúscula, que vendia roupas como calças legging e blusas de algodão. Ela se orgulhava daquela micro loja como se fosse dona da Hering ou da Marisa. Era só uma, com nove metros quadrados, mas era o orgulho dela. Sinceramente, eu também tinha que agradecer àquela loja. Afinal, graças a ela, minha mãe conseguia nos sustentar. Porém, mesmo assim, ir trabalhar tão cedo em pleno domingo ainda era crime para mim.
- CAROLINA JÁ SÃO SEIS HORAS, ESTAMOS ATRASADAS!
Respirei fundo e decidi sair. Desliguei o chuveiro, me enrolei na toalha e fui para meu quarto. Minha mãe observando tudo, batendo o pé. Ela já estava até mesmo com sua sacola e bolsa em mãos. Eu me troquei e saímos. Mamãe não me deixou tomar café. Fomos para o ponto de ônibus. Além de tudo, não tínhamos carro.

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A Herdeira (Concluído)
ChickLitCarolina nunca pensou que a sua vida poderia mudar da água para o vinho - Literalmente. Ela só queria ir para a academia, fugir do trabalho, sambar e ser Madrinha de Bateria, apesar de saber que não tinha influência nenhuma para ser uma. Mas, depoi...