Meu apartamento virou um recinto de fotografias. Eu comecei a ficar completamente lunática. Tudo o que saia na mídia sobre mim, eu separava com cuidado e deixava sobre o criado-mudo. Meu quarto era o mais simples do Hotel. Era barato, mas eu já não estava mais tão animada com ele. Mesmo que ele fosse a coisa mais fofa. A cama era de solteiro, havia um criado-mudo e uma mesinha no canto. Um armário de madeira pura, escura e ornamentada. Uma TV de plasma na parede, um frigobar – que felizmente eu não precisava pagar pelo o que consumia, e um banheiro com banheira! A qual só usei uma vez, porque eu chegava nele tão cansada do trabalho que só queria me lavar e escorregar para debaixo do edredom.
Já fazia duas semanas que eu havia visto o resultado do teste, mas pouca coisa mudou. Ângelo mal falava comigo, Menezes só me dava um oi quando trombava comigo nos corredores e Leon, bem, ele havia parado de colar tanto na minha. Patty vinha me visitar de vez em quando, mas era breve. Como eu trabalhava de segunda a segunda, com dias alternativos de folga na semana, e só um domingo no mês, nós raramente conseguíamos nos encontrar.
Do nada, sem minha mãe, sem casa, já que o contrato do aluguel havia sido cancelado e eu ainda tenho que pagar a multa por quebra, mais as parcelas da dívida – o bom é que minha mãe tinha uma minúscula parcela no banco, numa poupancinha, que ela lutava tanto para manter... Menezes conseguiu recuperar o dinheiro para mim, ajustando umas papeladas que eu não entendia. Ok, todo o dinheiro foram para as dívidas, e ainda tinha mais dívidas... Só consegui pagar o aluguel da loja – queimada – atrasada! Aquele chinês... As dívidas da casa, bem até consegui pegar um pouco e pagar, mas acabei parcelando tudo. Basicamente meus gastos eram maiores do que tudo, e eu estava vivendo a pior vida que eu podia imaginar viver.
Peguei os jornais do criado-mudo e espalhei pela cama. As notícias falavam do meu passado e questionavam o fato de eu ter sumido – claro, quem vai imaginar que eu sou camareira no Hotel do meu avô milionário??? Suspirei pensativa. Eu sou neta de Ângelo Fagundes, um velho rico dono da maior rede hoteleira do país... Meu primo de segundo grau – ou é terceiro? – sei lá – é rico, poliglota, tem estudos e eu terminei o ensino médio nas coxas. Se eu fosse o Dono desses hotéis todos quem eu elegeria como meu sucessor?
A resposta não parecia difícil. Olhando esses jornais difamando a minha imagem, falando sobre a minha falta de estudo, até mesmo um publicou o meu boletim escolar! A maior parte das pessoas me chamavam de aproveitadora. Falavam de golpe e ainda por cima me xingavam por eu ser negra. Havia depoimentos de pessoas que eu até desconfiava quem fossem, falando sobre o meu sonho de ser rainha de bateria da Tucanos, sobre as tardes que passei malhando na academia...
Suspirei cansada, outra vez. Peguei cada jornal e o picotei com ódio. As lágrimas nasceram sem cerimônia e escorreram pela minha cara, pingando em cada pedacinho que se espalhava pelo edredom. As pontas dos meus dedos e a palma da minha mão ficaram negras como carvão por causa da tinta dos jornais. Rasguei tudo sem dó nem piedade, jogando os pedacinhos pelos ares, limpei meu rosto sem ligar se as pontas dos meus dedos estavam tingindo a minha face. Chorei, como no dia que soube que minha mãe havia ido embora desse mundo, chorei como devo ter chorado quando saí do ventre de minha mãe e a lembrança e a falta dela me fizeram chorar mais. A dor no meu peito aumentou e eu deitei sobre aquele monte de papel, amassando os pedacinhos nas minhas mãos, fiz posição fetal, como se isso pudesse me proteger... E antes que eu pudesse perceber, o cansaço baixou sobre mim, fechei meus olhos e dormi.
Acordei colada em um monte de papel picado. Tirei dois pedaços de dentro da minha boca e olhei a bagunça do quarto. Peguei meu celular, que estava estilo pai de santo, só recebendo ligações... olhei as horas e eram seis da manhã. Esbugalhei meus olhos e corri. Eu precisava me arrumar, tomei uma ducha rápida, fiz um coque no cabelo e corri para comer algo na cozinha. Maria estava lá falando algo com o cozinheiro. Ela saiu e eu a acompanhei.
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A Herdeira (Concluído)
Chick-LitCarolina nunca pensou que a sua vida poderia mudar da água para o vinho - Literalmente. Ela só queria ir para a academia, fugir do trabalho, sambar e ser Madrinha de Bateria, apesar de saber que não tinha influência nenhuma para ser uma. Mas, depoi...