Capítulo 2

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O dia ainda não tinha clareado de todo, quando um vaqueano veio avisar à negra Beata: o coronel Bento Gonçalves, mais um grupo de cavaleiros, chegava na estância. Com eles, vinha Antônio, o filho de Maria Manuela, e usava no braço uma tipóia ou coisa que o valesse. 

— Ainda não atravessaram a porteira — disse o gaúcho, coçando a barba. — Mas usted já pode avisar D. Ana: os homens chegaram para o mate da manhã. 

Beata deu um pulinho de contentamento, abriu um riso largo e saiu ventando para dentro da casa. Um sol tímido e dourado rasgava as nuvens da manhã, o passaredo cantava nas árvores, e o cheiro de mato, que o sereno carregava, ainda se fazia sentir naquele princípio de manhã de dezembro. O campo já tinha ares de verão. Ao longe, o gado pastava. O peão deu uma boa olhada em tudo — estava na mais perfeita ordem, seu Bento iria aprovar o andamento das coisas —, depois deu uma virada com o cavalo e saiu prós lados do celeiro. Manuel andava por lá, arrumando umas montadas. Precisava avisá-lo da chegada do coronel. 

A casa despertara mais cedo. De cá e de lá, as escravas andavam carregando bacias com água, toalhas, panos de fralda. Beata foi dando a notícia para todos com quem cruzava no corredor. Chegou na cozinha. Zé Pedra tomava um mate, encostado na soleira da porta. 

— O coronel Bento chegou. 

A voz de Beata era esganiçada feito taquara. O negro forte e espadaúdo não moveu um músculo do rosto. Acabou de sorver o mate bem amargo e retrucou em voz baixa, como falava sempre: 

— Pois tá fazendo o quê aí, sua negrinha da peste? Vai avisar D. Ana agora mesmo, em vez de ficar por aí botando alarido na negrada. 

Beata ventou cozinha afora. Todos tinham medo de Zé Pedra, que, diziam, tinha sido feitor lá para os lados de Cerro Largo, e que era de toda a confiança de D. Ana. Também falavam que era alforriado, que comprara sua liberdade, mas Zé Pedra não comentava sua vida, nem para mentir, nem para desmentir a boataria. 

Beata saiu arrastando as chinelas pelo corredor. Na última porta, parou, ajeitou as saias. Bateu de leve. A voz de D. Ana se fez ouvir: 

— Entra, Beata. — Conhecia os passos ligeiros e o jeito afobado da negra. 

D. Ana acabava de aprontar-se. Milú prendia os seus cabelos no alto da cabeça, e Beata viu com gosto o vestido novo, enfeitado com fitas de veludo. Limpou a voz e, toda faceira, disse: 

— O coronel Bento está aí. Deve está apeando, lá nos fundo. Veio com mais uns soldado. Seu Antônio tá com ele. 

— Graças a Deus — disse D. Ana, abrindo um sorriso.— Vamos logo com isso, Milú. Quero ir ver meu irmão.

*

Bento Gonçalves era um homem alto, de barba cerrada e negra, e poses de fidalgo. Não aparentava os quarenta e seis anos que tinha, porque em tudo emanava energia, até nos menores gestos, mas era comedido, compenetrado, confiável. Por isso era o homem forte da revolução, um gaúcho, no más. Corajoso e sereno. Usava naquela manhã o dólmã azul, bombachas escuras, o chapéu de barbicacho e, presas nas botas de couro negro, suas esporas de prata, muito bem areadas, brilhantes. O lenço vermelho de seda estava preso ao pescoço. 

Desceu do alazão, fez um carinho no lombo do animal e saudou com alegria o capataz: 

— Como le vai, Manuel? Por estas terras está tudo bien? 

— Tudo em ordem, coronel. A primavera tem sido boa. Um cavalo xucro descadeirou um dos peões semana passada, mas o homem já está andando de novo, e já demos um jeito no bicho. 

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