Capítulo 2

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O estado de saúde do Dr. Paulo de Silva Santos foi se agravando dia a dia. No início, ainda se ouviam seus terríveis gemidos, e D. Ana andava atarantada pelos corredores, gritando com as negras, pedindo outra bacia de água quente, nova infusão de folhas ou toalhas limpas. O médico voltou mais duas vezes.

Na última visita, chamou D. Antônia à varanda, antes de partir. Estava um dia claro, de ar frio e céu muito azul, aqui e ali pontilhado de nuvens pálidas. D. Antônia olhou o médico com seus olhos enxutos.

- Então, doutor Soares?

- Não le dou mais esta noite, D. Antônia. Sinto muito... - Deixou-se perder pelo pampa, depois fitou outra vez a senhora alta e esguia, de cabelos presos em coque no alto da cabeça. Estava sem jeito, quis saber: - Os filhos chegaram?

- Não. Vosmecê sabe que essas estradas estão cheias de tropas. Mandamos Zé Pedra atrás dos meninos, mas o negro ainda não deu com as caras por aqui. - A voz soou desconsolada. D. Antônia cruzou os braços frios ao redor do corpo. - O remédio é esperar. E rezar.

- Era bom que chegassem hoje. Despediu-se e partiu numa sege negra.

D. Antônia dirigiu-se à cozinha e mandou Rosa fazer um almoço leve, estavam todas preocupadas demais para grandes comidas. Depois foi até o escritório e mandou que Beata chamasse Caetana.

A cunhada chegou usando um vestido castanho que não lhe diminuía a beleza, embora fosse simples, sem arranjos. Os cabelos estavam trançados na nuca. Ela beijou D. Antônia, ainda não se tinham visto naquela manhã. A irmã de Bento não fez rodeios:

- Paulo morre hoje, Caetana. Só de ver, já se sabe. - Caetana fez o sinal-da-cruz. D. Antônia sorriu cansadamente, como quem sorri a uma criança, depois prosseguiu numa voz baixa: - Ontem à noite, tive longa prosa com a Ana. Ela já está sabendo... A coisa não tem mais volta. Precisamos estar preparadas.

- Dios... Nunca pensei, nunca pensei que tão cedo uma tragédia dessas sucedesse conosco, cunhada. Paulo chegou aqui tarde demais, o ferimento já estava arruinado, eu vi. - Caminhou até a janela e olhou o jardim. - Será que Bento e os meninos vêm?

- Meus ossos dizem que não. Nem Zé Pedra apareceu. Además, não sabemos como vão as coisas aí fora. Por isso le chamei, Caetana, para dizer que já mandei buscar o padre. Hoje à tarde, ele vem dar a extrema-unção ao Paulo. Não é justo que o homem morra sem o consolo de Deus.

- Vou avisar Maria Manuela e as meninas - aquiesceu Caetana. - E vou rezar para que os homens cheguem a tempo. Ter os filhos por perto faria bem a Ana, coitada.

*

O padre veio, cumpriu sua obrigação e partiu.

Era noitinha, e o dia bonito transformara-se em noite fechada, sem estrelas. Jantavam uma sopa, todas na grande mesa, quietas, cientes de que logo teriam a notícia. O lugar de D. Ana, à cabeceira, estava vago. A qualquer momento, ela entraria na sala para avisar que o marido tinha morrido. Era coisa de pouco tempo, até o padre dissera. D. Antônia remexia com a colher o prato fumegante, estava sem nenhuma fome. Lembrava do horrível dia em que enterrara seu Joaquim. Uma dor aguda comprimiu-lhe o peito. D. Antônia cerrou os olhos, fazendo esforço para segurar as lágrimas.

*

Quando as negras recolhiam a mesa, Zé Pedra chegou. Vinha sozinho, sujo, cansado da viagem penosa e friorenta. D. Antônia não quis saber de firulas, recebeu-o na sala, junto com as outras. Ouviram todas o que o negro contou nas suas palavras secas. Não tinha conseguido chegar até as tropas de Bento Gonçalves, nem tinha falado com os meninos. Os revolucionários estavam malparados, acossados em Viamão, por terra e por água. Zé Pedra atrapalhou-se todo para dizer o nome de um inglês que comandava a esquadra da Marinha imperial. Era John Pascoe Greenfell, capitão-de-mar-e-guerra que, com seus navios, tornara a abrir as rotas de navegação para o Rio Grande, desafogando a cidade de Porto Alegre do cerco imposto por Bento Gonçalves. Além disso, as tropas de Bento Manuel cercavam os revoltosos por terra.

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