1839

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INTRODUÇÃO

 No início de 1839, os lanchões farroupilhas entraram nas águas da lagoa pela primeira vez. Abrindo caminho entre os juncais, surgiam eles, como por encanto, a singrar aquele mar de água doce. Giuseppe, à proa, comandava seus marinheiros. Estavam treinados para tudo. Se havia um baixio pela frente, Giuseppe enchia o peito de ar e gritava: 

— À água, patos! 

 Os marinheiros seguravam o barco na altura dos ombros e o levavam para o outro lado dos baixios. Griggs e os seus homens faziam o mesmo com o Seival. 

 Naquelas primeiras incursões, navegaram nove dias em busca de uma preia, mas as águas estavam desertas. Só quando a repetição daqueles passeios tranqüilos começava a cansar a tripulação, foi que se depararam, numa tarde quente daquele verão, com duas sumacas. Navegavam elas em direção a Porto Alegre, e tinham hasteada a bandeira do Império. Sob o sol dourado que tingia as águas da Lagoa dos Patos, o Farroupilha e o Seival se aproximaram. Garibaldi ordenou que Ignácio Bilbao disparasse o canhão. 

— Fogo! 

 Com apenas um tiro, o comandante da sumaca Mineira se entregou. Os tripulantes ainda tentaram fugir num barco, mas foram capturados pelos homens de Griggs numa das margens do Camaquã, perto dali. A outra embarcação, o patacho Novo Acordo, conseguiu fugir, levando para o Rio Grande a notícia de que havia corsários farroupilhas nas águas da Lagoa dos Patos. 

 O butim foi cuidadosamente aproveitado. Cordas, velas e equipamentos foram levados para o estaleiro para serem usados na fabricação de outros lanchões. O restante da carga, quinhentas barricas de farinha que estavam sendo transportadas para Porto Alegre, Garibaldi mandou entregar ao governo em Piratini. 

 D. Antônia ouviu enlevada a narrativa do ataque às duas sumacas imperiais. Sim, os planos do irmão estavam certos: aqueles marinheiros iriam ajudar a República a consolidar a sua posição. E ela, da sua estância, assistia a tudo com privilégios de dona. Garibaldi contava a história trocando palavras, misturando português, italiano e espanhol. D. Antônia, no entanto, não precisava se esforçar para compreender aquele homem de olhos límpidos: havia sempre uma sinceridade naquelas retinas, uma coisa viva e cheia de força que a encantava, e que o tornava compreensível e amorável. Enquanto Giuseppe Garibaldi sorvia o mate que um negrinho lhe tinha alcançado, D. Antônia não pôde deixar de pensar em Manuela. Sim, a sobrinha estava enamorada do marinheiro italiano. Bueno, era fácil apaixonar-se por um homem como aquele, D. Antônia sabia. Imaginou um coração de dezoito anos, cheio de vida, palpitando de ardores pelo corsário. 

— Io mandei il uomo, o capitão da sumaca, um tal de Antônio. Bastos, para Piratini. Cosa a signora pensa disso? Mandei il uomo junto com as farinhas! — e pôs-se a rir com muito gosto, mostrando os dentes alvos. — Junto com as farinhas! 

 D. Antônia também riu, divertida. Mas pensava em Manuela. E pensava em Joaquim.

*

O ataque às duas sumacas causou furor entre os imperiais e alquebrou a influência do almirante Greenfell junto ao governo. Como resposta ao ataque, o Império enviou quatro navios de guerra à Lagoa dos Patos. E as embarcações imperiais navegavam naquelas águas, como grandes fantasmas, esperando pelos corsários que nunca apareciam. 

 Giuseppe Garibaldi divertia-se. Deslizava com seu barco entre os juncais e atacava as estâncias dos caramurus. Levavam cavalos à bordo, e eram já tão bons ginetes quanto marinheiros. Quando voltava das incursões à Lagoa, Garibaldi ia visitar sua Manuela e lhe contava as peripécias do dia. Levava sempre em seu barco os cavalos, em número de sete. 

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