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INTRODUÇÃO

D. Antônia serviu o mate e alcançou-o para Inácio. Fazia pouco que ele tinha apeado. Enquanto uma das negras preparava a água, ele lhe dissera que estava de partida. Viera vê-la na passagem, para não sumir assim, no más, sem nem ter le feito uma visita que fosse. A estada na Barra fora mui curta, mal tivera tempo de matar as saudades da esposa e da filha. 

Como todos que voltavam das batalhas, também Inácio estava mais magro, o rosto ossudo, os olhos presos nas órbitas cavadas nas maçãs do rosto. Mas o sorriso era o mesmo, luminoso. Tinha chegado havia dois dias; já precisava partir. O cavalo estava mais ao longe, sob a sombra de uma figueira, carregado com suas coisas, uma marmita para a estrada, o poncho, um bom cobertor e um livro, e pastava preguiçosamente. 

— Me vou para Caçapava, D. Antônia. Mas não queria partir assim, no más, sem nem le fazer uma honra. Nestes dois dias, mal pude descansar e aproveitar a menina... Vai crescer esses primeiros tempos longe do pai, a pobrezita. 

A tardinha de verão ia se acabando feito uma vela num altar. Ao longe, era possível ouvir o barulho do rio. A Estância do Brejo estava silenciosa e calma. Alguns peões voltavam da lida. 

D. Antônia respirou fundo o ar que cheirava a madressilvas. 

— Desde que o estaleiro foi desfeito, isto aqui está uma paz que só vendo — disse ela. — Uma paz meio triste. 

— Pois la aproveite, D. Antônia. Por aí afora as cosas vão difíceis, le digo. Só me sinto mais tranqüilo porque sei que Perpétua e a menina ficam com vosmecês. 

D. Antônia baixou os olhos.

— Essa guerra não termina, Inácio. 

— Está mais encarniçada do que nunca. De onde eu venho, para os lados de São Francisco de Cima da Serra e de Vacaria, as cosas andaram sucedendo feias, D. Antônia. É justo que acabaram bem. Hay coragem em nossos soldados, mas le digo que perdemos muitos hombres. — Deixou o olhar vagar pelo pampa. — Do jeito que as cosas vão, D. Antônia, gastaremos muito tempo e muitas vidas, talvez sem um bom proveito. 

— Quantos homens vosmecês perderam nessa peleja? Inácio baixou os olhos. 

— Em Curitibanos, para os lados do Rio Marombas, caímos numa emboscada feita pelos imperiais. Gasta uma hora, perdemos quatrocentas almas. O coronel Teixeira Nunes foi valente, é um hombre raro; mesmo assim, a cavalaria se viu cercada pelas tropas de Melo Manso. Foi uma mortandade sem tamanho. 

D. Antônia empalideceu. As mãos longas, finas, cruzam-se no colo, como para segurar aquela angústia. Quatrocentos homens. Quatrocentos pais, filhos, jovens do Continente.

— Que cosa más horrível — sussurrou. E depois pareceu recordar: — Vosmecê contou isso para a Ana? Me parece que o José estava na tropa desse coronel Teixeira. E o italiano, o Giuseppe também. 

— José estava lá. Foi ferido, cosa pouca. Não se apoquente, D. Antônia. Contei para D. Ana sobre o rapaz, e le disse que já estava bonzito quando saí para estas bandas, até já cavalgava- A guerra endurece as carnes da gente, não é qualquer espetada de lança que arruina um soldado. E o italiano foi mui corajoso. E um hombre... A tal moça que se amasiou com ele, a Anita, essa sim teve mau destino: foi presa. 

— Presa? E morreu? Inácio deu de ombros. 

— Pouco sei dessa cristã. Quando vim de partida, a moça ainda não tinha aparecido. Vai ver que virou china de soldado. Se bem que era mui corajosa, só a senhora vendo. Acho que os imperiais, sabendo quem ela era, devem ter le dado um tratamento más justo. 

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