Capítulo 1

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Tinham saído de Viamão no dia vinte e dois de abril e marchado durante dois dias inteiros, sem comer nem beber. Bento Gonçalves liderava mais de dois mil homens sob a fina chuva. Canabarro, Lucas de Oliveira e Corte Real seguiam junto. Havia quatro batalhões de infantaria, artilharia, cavalaria e uma companhia de marinheiros comandados por Giuseppe Garibaldi. Por onde passavam, só viam terras abandonadas, estâncias saqueadas e desilusão. Os homens iam de cabeça baixa, segurando a inquietude das tripas, pensando naquela batalha que deveria ser a decisiva. Seria o maior encontro de tropas de toda a história do Continente. 

Atravessaram o Rio Caí numa noite sem estrelas. Não encontraram muita dificuldade por parte das tropas imperiais: ali havia um pequeno destacamento que foi rapidamente desbaratado. Acamparam no morro da Fortaleza. Bento Gonçalves mandou um mensageiro avisar Netto de que tinham transposto o Caí. Era a hora do encontro. 

Encontraram-se no último dia daquele abril. Netto vadeou o Caí com dois mil e quinhentos soldados. De todos os lados chegavam reforços, homens com seus cavalos,, a lança em riste, o lenço vermelho no pescoço, e homens a pé, descalços, o pala esfarrapado, mas com a mesma gana de lutar ao lado dos seus generais. Adagas brilhavam na luz das fogueiras. Risos e abraços de reencontros. Houve festa, carrearam bois para matar a fome do exército, enquanto na barraca de Bento Gonçalves reuniam-se todos os chefes farroupilhas. Lucas de Oliveira, Corte Real, João Antônio, Netto, Teixeira, Canabarro, Crescêncio, estavam todos lá. 

A planície amanheceu repleta sob um sol tímido que tentava dissipar o frio da madrugada outonal. Eram seis mil homens reunidos, os olhos se perdiam na contemplação de todo aquele exército. Uma energia latente pairava no ar, sobre as cabeças de todos, como um grande pássaro de asas abertas. 

Bento Gonçalves levantou com a aurora. Tinha dormido mal, os pulmões andavam frágeis, mas acordara com rara disposição. Era um dia especial para a República. Quando calçava as botas, João Congo entrou na tenda trazendo o mate. 

— Congo, mande o Joaquim reunir todos os chefes aqui. João Congo saiu rapidamente. 

Pouco depois, estavam todos lá. Garibaldi foi o último a chegar. Desculpou-se, Anita tinha passado uma noite difícil. 

— A guerra não é lugar para uma mulher que vai dar à luz — disse Bento Gonçalves sem qualquer emoção. 

Garibaldi sustentou o seu olhar. Tinham se encarado assim uma única vez, havia tempo, no estaleiro. Garibaldi recordou Manuela. Agora o general gaúcho não tinha qualquer poder sobre a sua vida. 

— Anita prefere estar al mio lado, general, a estar em qualquer outra parte de questo Rio Grande. 

Bento Gonçalves abriu um sorriso de compreensão. O italiano tinha fogo nos olhos. 

— Sabemos que Anita é uma mulher de coragem, capitão. Agora vamos ao que importa — disse ele, percorrendo os rostos ali reunidos. — Os imperiais estão perto do Rio Taquari, a poucas léguas do nosso acampamento. Conseguimos nos unir sob as barbas deles, mas agora já sabem onde nos encontramos. — Fez uma pausa. — Isso tem pouca valia. Porque nós vamos atacá-los ao alvorecer, amanhã. 

— O Manoel Jorge tem o dobro da nossa infantaria e uma artilharia muito forte — disse Corte Real. 

— Está bueno. Mas nós vamos atacar antes e estamos melhor posicionados. Vamos vencer esta guerra de uma vez por todas.

*

Caetano andou uns metros e acomodou-se sob uma árvore. A noite infiltrava-se no acampamento, lentamente. A luz âmbar do outono ia esmorecendo, lançando seus últimos reflexos sobre o pano desbotado das tendas. Os homens movimentavam-se num ritmo próprio, cadenciado, os rostos curtidos pelo sol e pela intempérie, as mãos nodosas, a barba de muitos dias de cavalgada. Índios, mestiços, castelhanos, continentinos e negros, todos formando uma única coisa, uma coisa viva e pulsante e cheia de fúria acumulada, como um bicho quieto que aguarda a hora do bote. 

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