Cadernos de Manuela

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 Pelotas, 30 de agosto de 1890.

 Na madrugada do dia quatorze de novembro de 1844, Moringue e seus homens caíram por sobre o acampamento de Canabarro, onde os soldados dormiam, desprevenidos de tudo. Houve pânico e uma fuga desabalada, os homens fugindo a pé ou a cavalo, uniformizados ou desnudos. O Corpo de Lanceiros Negros, sob as ordens do bravo coronel Teixeira Nunes, não fugiu. Ao contrário, lutaram sua última e gloriosa batalha como que iluminados por algum deus. Lutaram no escuro, as lanças dançando sob a luz da lua que prateava o pampa.Lutaram como heróis, por uma liberdade que mal chegaram a roçar...A maioria deles morreu ali mesmo, naquela noite. Morreram banhados de luar.

 Teixeira Nunes morreu dias depois, trespassado por uma lança imperial num encontro surpresa com as tropas inimigas.

 A batalha de Porongos foi a última grande tragédia daquela guerra. Não recordo se chorei por essa notícia. Havia já então um adormecimento em minha alma, tantas as tristezas que havíamos passado. Mas lembro que Zefina, criada de D. Ana, sentou no quintal e se lanhou e gritou por um dia inteiro. Tinha um irmão lutando como coronel Teixeira. Um irmão moço, de dezenove anos, que lutava pela sua liberdade. Morreu em Porongos. Não recebeu nem um punhado de terra sobre a cabeça.

 Porongos foi o derradeiro suspiro. Depois, só restava um acerto com o Império, um tratado que trouxesse ao Rio Grande a mínima honra. Estávamos, então, banhados em sangue.

 Na Estância, o clima era de tristeza plena. Perdia-se a guerra de maneira cruel. Longos anos. As filhas de Caetana tinham chegado pequetitas, Maria Angélica saía de lá uma moça — tinha então a minha idade no começo da revolução. Tendo recebido a carta que João Congo lhe trouxera em meados de outubro, Caetana preparava se para partir com os filhos. Bento Gonçalves esperava-a no Cristal.Perpétua já tinha ido embora. Eu e minha mãe ainda ficaríamos alguns meses — a mãe temia a viagem até Pelotas, pois a paz, a despeito de tudo, ainda não estava selada, e os caminhos do Continente iam cheios de desertores famintos e esfarrapados.

 A casa de minha tia ia se esvaziando aos poucos, enchendo-sede sombras e de silêncios. Para sempre marcada por aqueles anos, agrande casa acabrunhava-se na sua nova solidão, envelhecia. Ficavam para trás as longas horas de espera, os bailes com os republicanos, o medo nas noites de inverno. Ficavam para trás as minhas tardes com Giuseppe, o casamento da prima Perpétua, os banhos de sanga, as músicas de D. Ana ao piano... Tudo de bom e tudo de ruim ficava para trás. As vozes, os cheiros, as lembranças, tudo se ia perdendo no limbo do tempo que passava. Havíamos vivido a História, e seu gosto era amargo, no final.

 Manuela.

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