Capítulo 2

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O brigue Constança gastou cinco dias para atravessar o mar, do Rio de Janeiro até a cidade de Salvador. O calor intenso, em pleno mês de agosto, não assustou o general Bento Gonçalves. Ele estava sendo transferido da Fortaleza de Lage para o Forte do Mar, ainda mais longe da sua terra e dos seus exércitos.

Depois da longa travessia no brigue, amarrado, Bento Gonçalves foi conduzido por dois soldados para o saveiro que o levaria até o Forte do Mar. Fazia muito tempo que a umidade da cela na Fortaleza de Lage se entranhara em sua carne, e o sol, dourado, vivo, que se derramava sobre a cidade da Bahia e sobre a sua pele naquele final de manhã, trazia-lhe uma sensação boa.

Tivera notícias do Sul, as primeiras notícias depois de um longo silêncio na solitária. Notícias desconcertantes. Bento Manuel, outra vez ao lado dos farrapos, mandara prender e levar para o Uruguai o governador Antero de Britto. O italiano Giuseppe Garibaldi, juntamente com os tais Rosseti e Luigi Carniglia, recebera sua carta de corso, agora estava a serviço da causa, rumo ao sul do país. No caminho, atacaram a sumaca Luíza., perto do Rio de Janeiro, e agora deviam estar - o general não sabia bem - nas alturas do porto de Maldonado, no Uruguai. Assim seguia a luta, enquanto ele estava ali, de mãos atadas, olhando o céu azul da cidade de Salvador. Netto continuava a guerra, junto com os outros. E seu amigo, o conde Zambeccari, ainda estava preso em Santa Cruz, adoentado. O conde tinha consistência frágil, não era como ele, que, depois de todos aqueles meses na solitária, com os cabelos compridos, o rosto esverdeado, ainda estava em pé, duro como uma rocha, um general em farrapos que punha medo nos jovens oficiais que haviam vindo buscá-lo para a travessia. Era Bento Gonçalves da Silva, e iria lutar. Pensou isso, aspirando o ar morno, enquanto o saveiro cruzava aquele mar de águas serenas, rumo ao Forte de São Marcelo, aquele monstro de pedra de onde não se podia fugir, e sentiu uma faísca de esperança. Na solitária, andava desencantado. Mas agora, ainda mais longe do seu Rio Grande, ainda assim, via uma chance de voltar. Ainda não sabia qual, mas iria descobrir.

O pátio de pedras claras refletia a luz do sol como um grande espelho que cegava. Bento Gonçalves adentrou o lugar, os portões fecharam-se atrás dele. O comandante do forte estava parado no centro do pátio e derramou sobre Bento um olhar intrépido e imutável. O presidente do Rio Grande estava à sua frente, um homem de grandes posses, um general. Usava roupas desbotadas, tinha a barba por fazer, e os cabelos crescidos demais. O comandante cruzou seu olhar com o do general. Viu, no fundo daqueles olhos negros, um brilho de animal enjaulado, um brilho leonino. Sem saber por quê, teve um mau pressentimento. Baixou os olhos e mandou que levassem o prisioneiro para a sua cela.

*

Era a primeira carta de Bento Gonçalves que Caetana recebia naqueles últimos cinco meses. Ela arrancou-a das mãos do jovem oficial que viera entregá-la como quem arranca o filho de um assassino. Tremia e tinha os olhos marejados de lágrimas. D. Ana sorriu, com pena da cunhada, ela mesma ansiosa por saber notícias do irmão, e mandou que Manuel levasse o soldado para a cozinha, e que as negras lhe dessem de beber, como era praxe e digno de uma boa casa.

Caetana correu ao quarto e passou a tranca no ferrolho. Precisava daquela solidão, de correr seus olhos pelas palavras de Bento sem pressa e sem companhia. Havia sido um longo inverno, um inverno frio, de minuano, de noites intermináveis e repletas de medos, que ela gastara com a avareza de um sovina, não porque quisesse, mas apenas porque o tempo teimara em se arrastar com uma preguiça que antes nunca chegara a conhecer.

Sentou perto da janela, onde uma nesga de sol vinha dourar o tapete e um canto do quarto. Abriu o envelope enodoado e apertou a carta ao peito. Depois, a letra decidida do esposo surgiu aos seus olhos, vivida, larga, uma letra de homem.

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