1845

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 Caetana amarrou a fita do chapéu em torno do pescoço. Olhou-se uma última vez ao espelho. Tinha se mirado naquele espelho de cristal nos últimos nove anos, todos os dias. Envelhecera sobre aquela superfície.

 Virou o rosto. Deu uma olhada geral no quarto. Pela janela aberta, entrava o sol quente de janeiro. A cama larga repousava nomeio da peça, com sua colcha amarela, os travesseiros de pena.Quantas noites dormira ali? Quantas lágrimas derramara sobre aqueles travesseiros após ler as cartas de Bento, as poucas notícias que tinha recebido da prisão, em Salvador, e as outras cartas, as últimas, quando a guerra já se perdia e Bento começava a sofrer coma doença, a desgastar-se, a amargurar-se, quantas lágrimas?

 Pegou a maletinha sobre a cama. Zefina já tinha levado as outras malas para a carroça onde Congo estava acomodando os pertences da família. Bateram de leve à porta. 

— Entre.

 Era Marco Antônio. 

— Está tudo arreglado, madre. Vamos?

 Caetana olhou o filho pelo espelho. Estava um homem.Dezenove anos, parecido com ela. Lembrou da vez em que fugira com Leão, e da febre que o pusera de cama por muito tempo. Aguerra estava apenas começando, então. Suspirou. O filho estava postado sob o batente da porta. Os olhos verdes presos nela. 

— Vamos, Marco Antônio. — Deu uma última olhada para o quarto. — Adiós.

 Saiu rapidamente, braço dado com o filho.

 Na sala, D. Ana, Maria Manuela, D. Antônia e Manuela a esperavam. Paradas uma ao lado da outra, sorriam. Havia lágrimas nos olhos de D. Ana. Foi a primeira a abraçá-la. 

— Cuide-se, cunhada. — Beijou-lhe o rosto. — Vosmecê diga para o Bento que logo vou vê-lo. E façam boa viagem.

 Maria Manuela despediu-se com poucas palavras. Quando aguerra findasse de vez, voltaria para Pelotas com Manuela. E mandaria buscar Rosário no convento. 

— Esteja com Deus, Caetana. Rezarei por vosmecê. 

— Gracias, Maria.

 D. Antônia entregou-lhe um envelope azul. Para Bento. E uma folha dobrada em quatro. 

— É um desenho, Caetana. Foi Matias quem le fez.

 Ao ouvir o nome do neto, Maria Manuela teve um espasmo.

 Manuela beijou a tia e abraçou-a. 

— Adiós, Manuela. 

— Adeus, tia. Quando nos veremos outra vez?

 Caetana fitou-a com seus grandes olhos verdes alagados de luz. 

— Hay tiempo, Manuela. A vida continua a partir de hoje.

 Saiu para a varanda. Marco Antônio e as duas filhas a esperavam. João Congo e Zefina estavam postados ao lado dos dois coches; atrás, um negrinho miúdo cuidava da carroça carregada debagagens.

 Caetana aspirou o ar que cheirava a jasmins. Eram pouco mais do que oito horas da manhã. Ainda havia alguma frescura no ar. O céu estava azul.

 Subiu no coche, ajudada por Congo. Ajeitou melhor o chapéu de palhinha. Da varanda, as parentas olhavam, solenes. Sentiu que alguma coisa se alterava no mundo. Um relógio parado havia muito começava lentamente a trabalhar outra vez. A vida continuava, como tinha dito a Manuela.

 Acenou mais uma vez para as cunhadas. A mão dançou no arcomo um pássaro liberto da sua gaiola. Ana Joaquina, nove anos,com um vestido rosa pálido e os cabelos presos em duas tranças, lhe sorriu. 

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