Capítulo 1

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As primeiras horas da manhã gastaram-se lentamente. Um sol, a princípio tímido, começou a dourar os campos. Havia feito muito frio na noite anterior, mas no pampa, mesmo em madrugadas primaveris, o frio mostrava-se intenso, e as camas recebiam muitos cobertores. À noite, nas salas de família, a lareira era acesa. No seu crepitar, as conversas mansas embalavam-se, e o mate passava de mão em mão, enquanto o luzio dos palheiros se fazia ver, exalando o cheiro acre do fumo de rolo. 

Mas não naquela casa. Na casa branca da Estância da Barra havia um número tão alto de mulheres, que a voz delas é que ditava os modos. E as mulheres não pitavam, não tomavam o mate à noite. Lá fora, à beira do fogo, dois ou três peões, enquanto a carne assava respingando gordura, lambiam seus palheiros. Terêncio pernoitara na estância aquela noite, era mais um na volta do fogo, um vulto alto, calado, de olhos firmes e dedicação canina a Bento Gonçalves. Mas, ao alvorecer, ainda quando o mundo estava frio e nebuloso, tomara o caminho da Estância do Cristal, onde deveria esperar quaisquer ordens do patrão, enquanto zelava pelo seu gado e pelas suas terras. Com a partida de Terêncio, ficara Manuel, capataz da Barra, mais os seus peões, o negro Zé Pedra, muito querido de D. Ana, e o resto dos escravos que cuidavam da terra e das coisas dali. 

Era, desde então, uma casa de mulheres. A noite anterior fora à beira do fogo que crepitava na lareira, nisso sim uma casa igual a outras; mas pouco se falou, nem se viu o brilho dos palheiros queimando: bebeu-se um tanto de chá, quando Beata apareceu com o bule e um prato de bolo de milho; os rostos baixos ocupavam-se com bordados delicadíssimos, a cor que se via, alheia ao intenso brilho do pinho que ardia sob as chamas, era vivida cor de seda: o verde, o vermelho, o azul que traçava nos panos flores, arabescos e outras maravilhas de fino artesanato. Uma ou outra das moças se ocupava de ler sob a luz de um candelabro, mexendo os lábios vagarosamente, imperceptivelmente até, como as preceptoras lhes tinham ensinado nas longínquas tardes de lições. 

Lá pelas tantas, quando o sono já as assaltava, ou coisa pior rondava seus espíritos, quando Caetana mal podia acertar o fio de seda no buraco da agulha, quando Maria Manuela começou a pensar no marido e no filho, enquanto ouvia zunir o vento lá fora no capão, D. Ana ergueu-se da sua poltrona e foi para o piano. Levantou a tampa envernizada com um único gesto, e as mãos brancas e ágeis correram pelas teclas, fizeram brotar uma, duas, três valsas. As moças alegraramse bastante: fecharam os livros, ficaram pensando nos bailes. Maria Manuela abriu um tênue sorriso, o marido gostava de valsar aquela, dava passos largos, queria dar voltas pelo salão, exibila aos outros, mostrar que era um bailarino de monta. Caetana também pensou em Bento Gonçalves. Bento, que amava as músicas, que não perdia um baile, que valsava com a mesma faina que tinha para guerrear. 

— Toca uma polca, tia! — pediu Perpétua, com os olhos brilhando. 

D. Ana abriu um sorriso farto. Deu nova vida aos dedos no teclado. As moças reconheceram a música, riram, bateram palminhas. Rosário ergueu-se de um pulo, deixando o livro escorregar para o tapete, e, fazendo gestos com o braço, declamou: 

— "Eu plantei a sempre-viva, 

sempre-viva não nasceu. 

Tomara que sempre viva 

O teu coração com o meu." 

As mulheres aplaudiram em coro. Caetana tinha os olhos verdes ardentes, seus pés, sob a saia azulada do vestido, acompanhavam o ritmo da melodia. Manuela largou o bordado com o qual se entediava e também ergueu-se, para responder à irmã. Testou a voz e, com graça, disse: 

— "Tu plantaste a sempre-viva, 

sempre-viva não nasceu. 

É porque teu coração 

A Casa Das Sete MulheresOnde histórias criam vida. Descubra agora