Capítulo 1

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Perpétua olha a tarde cinzenta pela janela, e um arrepio percorre seu corpo. O céu está pesado, parece que vai desmaiar sobre as coxilhas. Ela se aconchega mais ao xale de lã. Os pés metidos nas chinelas agora estão inchados, a barriga salienta-se sob o vestido largo, de tecido azul. 

Ela sente saudades do marido. Durante toda a gravidez, Inácio viera vê-la umas cinco vezes. Ficara pouco com ela, mas sempre estivera amoroso, e tão feliz ao ver que o filho crescia em seu ventre como uma fruta amadurece num galho de árvore. Mas era a guerra, difícil para todos. Agora mesmo, Perpétua não pode precisar o paradeiro de Inácio. De seu, tem apenas essa criança inquieta que se remexe dentro dela como um peixe num aquário pequeno demais. 

A mãe está bordando ali perto, e ensina Maria Angélica, que agora está com nove anos, a dar seus primeiros pontos. Maria Angélica espeta o dedo na agulha constantemente. Se Perpétua tiver uma menina, logo repetirá esse ritual. 

— Está cansada, hija?

 Caetana envelheceu nesses últimos tempos. O tom esmeralda de seus olhos perdeu alguma coisa do brilho. 

— Estou bem, mãe. Mas me doem as costas. 

Passa o resto da tarde sem acomodar-se, nem consegue dormir. Não come o bolo que Zefina lhe traz. Um peso cada vez maior empurra seu ventre para baixo. E lá fora o mundo parece mais cinzento e escuro. 

Antes do jantar, resolve caminhar pela casa. Fica andando como um fantasma sem rumo, de uma peça a outra, cruzando com as negras, com as primas que agora andam tão cabisbaixas, entrando e saindo da sala onde o fogo crepita na grande lareira de pedras, arrastando as chinelas como dizem que fazia sua avó paterna, de quem herdou o nome e alguma coisa em seu olhar. 

Passa das nove horas quando a dor a invade sem nenhum aviso, como uma faca que penetra sua carne. Perpétua grita. Sente que um rio se solta e desce por suas pernas, alagando as saias do vestido e formando uma poça no chão de ladrilhos. 

D. Ana acode, vinda da cozinha. 

— Que foi, menina? — E quando vê a sobrinha, já sabe. Mas está calma. Pôs dois meninos no mundo, e mais um terceiro que morreu pequetito. Segura as mãos de Perpétua. — Tenha calma... Essa dor passa rápido. Pense que o seu filho vai nascer...Vou chamar a Rosa. As negras acodem, juntamente com Caetana, que ajuda a filha a ir até o quarto. Mandam buscar D. Rosa, que está na sua casinha lá no fundo, bordando. D. Rosa entende de ervas e de trazer crianças ao mundo. Entende de fogão e de boitatá. D. Rosa tem os olhos castanhos, meio baços, e um sorriso discreto no rosto. 

Logo o quarto está repleto de coisas: bacias com água fervente, fraldas, lençóis, a tesoura recém-esterilizada, comprida, que D. Rosa tem desde que aprendeu a trazer inocentes para esta vida. Perpétua grita de dor. Do lado de fora da alcova, Mariana, Manuela e Rosário se angustiam e sussurram. D. Ana aparece por uma fresta da porta. 

— Vosmecês vão lá para a sala. Aqui não ajudam nada com esses falatórios. — As sobrinhas têm os olhos arregalados de pavor. Perpétua solta um grito agudo. — Toda mulher passa por isso, é assim mesmo. Se aquietem lá para dentro, que vai dar tudo certo. 

E D. Ana fecha a porta lentamente.

*

A primeira hora da madrugada fria do dia primeiro de julho de 1839, nasceu Teresa da Silva de Oliveira Guimarães. Depois dos trabalhos do parto, depois de ver o corpinho perfeito da menina e de contar-lhe os dedinhos dos pés e das mãos, Perpétua Justa olhou a mãe e sussurrou: 

— Queria tanto que o Inácio estivesse aqui. 

E mergulhou num sono exausto. 

Caetana, com a neta nos braços e os olhos úmidos de lágrimas, sorriu docemente. A vida seguia seu rumo. D. Ana baixou as mangas do vestido que arregaçara na faina de ajudar Rosa, e foi se chegando para ver o rostinho da menina. 

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