O tropeiro entregou o pacote pardo, pesado, para D. Rosa, a governanta. Caetana pagou-o em moedas de ouro, falando um fluente castelhano que o homem respondia com alegria. Era de Cerro Largo, e viera trazer o tecido para o vestido de casamento de Perpétua. Renda branca, cetim muito fino, que brilhava num tom perolado. Fitas muito grossas, para os arranjos finais, de pura seda.
D. Rosa, baixinha e atarracada, segurava com orgulho o pacote. Era costureira muito boa, a encarregada de fazer o vestido da menina Perpétua. A noiva tinha desejado uma costureira de Pelotas, mas com a guerra era isso um trabalho mui dificultoso, de modo que ficara decidido: D. Rosa faria o modelo ali mesmo, com todo o zelo, para a grande festa de princípios de setembro.
O tropeiro guardou o dinheiro na guaiaca, despediu-se com azáfama e tomou o rumo da porteira. As duas mulheres entraram para a casa. Era uma luminosa manhã de junho.
Caetana chamou: - Perpétua, chegou o pano do vestido!
Num momento, estavam já as quatro moças na sala. A face trigueira de Perpétua tingia-se de um rubro suave.
- Ah, mãe! Deixa eu ver!
Caetana deu um beijo na filha. Do corredor, Maria Manuela apareceu sorrindo. Um dos raros sorrisos dos últimos tempos. Era bom um casamento, iam ter um pouco de alegria na casa. E tantos preparativos. Ela já mandara buscar tecido para os vestidos das filhas.
- Rosa, vá pegar os moldes - disse Caetana. - Vamos lá para a salinha das costuras.
E as raparigas soltaram risinhos de contentamento.
- Perpétua vai casar! Perpétua vai casar! - passou gritando Marco Antônio no corredor. - E os soldados do papai vêm para a festa!
Maria Manuela foi bordar no sofá. Ela ainda tinha três filhas para casar, e agora estava sem marido. Ainda bem que Manuela já tinha o Joaquim. Logo que a maldita guerra acabasse, ficavam noivos e casavam sem demora. Era um compromisso a menos. E depois, Antônio, quando voltasse, ajudaria a achar bom partido para as outras duas manas. Mas agora Antônio estava nos arredores de Porto Alegre, naquele sítio interminável que os rebeldes impunham à cidade. E Maria Manuela rezava por ele todos os dias, apegava-se às suas santas, fazia promessas complicadas, je- juava. Tinha perdido o marido, mas seu filho querido, esse, nem que ela tivesse de queimar todas as velas do Rio Grande, esse voltava para casa são e salvo. Pegou a agulha e recomeçou o trabalho de onde o tinha deixado na noite anterior. Era uma toalha de mesa, para o enxoval de Manuela.
*
John Griggs era um americano muito alto, um tanto curvado, de vinte e sete anos, que vivia no Brasil fazia já algum tempo, e que tinha uma doçura nos olhos que encantou D. Ana e lhe venceu as barreiras. Era perito em navios a vapor e um ótimo marinheiro. Foi recebido para um mate na varanda, ao meio-dia de um sábado nublado e frio, e suas mãos de dedos longos seguravam a cuia com prazer, enquanto ouvia D. Ana contar das coisas da estância, da vida do campo. Griggs achou D. Ana serena e forte, parecida até com o presidente Bento Gonçalves, mas somente quando D. Antônia surgiu, atarefada com os últimos preparativos para receber o americano, foi que ele encontrou a verdadeira semelhança que buscava. D. Antônia tinha o mesmo olhar firme, forte, e a mesma pose ereta, receosa, analítica, do grande general gaúcho. Soube então por que haviam sido mandados para aquela estância. D. Antônia, se preciso fosse, lavoraria nos barcos como qualquer um dos homens.
D. Antônia estendeu a mão para Griggs:
- Seja bem-vindo, senhor João. - Falava o nome dele em bom português. Griggs sorriu seu terno sorriso. - Como meu irmão pediu, já le arranjei quatro carpinteiros de confiança. E também um ferreiro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Casa Das Sete Mulheres
RomanceA Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha (1835-1845) - a mais longa guerra civil do continente - , foi uma luta dos latifundiários rio-grandenses contra o Império brasileiro. As complexas razões do levante estão nos livros de História. O qu...