Capítulo 1

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Perpétua estava recostada na cama, lendo um livro. Mas a leitura não lhe entrava pela cabeça. De quando em quando, levantava um olho para espiar a prima. Andava achando Rosário tão estranha ultimamente... Não que fosse má companhia ou estivesse de humores ruins, pelo contrário, até andava mais feliz, até sorria mais, gostava de assuntos, dizia sempre que a guerra logo findaria. Antes, no começo, a prima andava azeda feito um limão, parecia contar as horas na estância, como se fosse prisioneira de cruel algoz, como se todas as outras não estivessem na mesma situação, naquela espera que tinha de ser vivida como férias.

Baixou o livro para o colo e pôs-se a fitar Rosário sem disfarces. A moça penteava as longas melenas douradas, escovava-as com zelo e cuidado. Bateram à porta. Era Viriata. A negra entrou meio de mansinho, olhou Rosário e quis saber:

— A sinhá deseja que le trance os cabelos? A voz de Rosário foi quase doce:

— Tranças bem finas, por favor. Tranças grossas são deselegantes.

A negra avançou até o toucador, onde Rosário se olhava no espelho de cristal, e pôs-se a trabalhar com habilidade. Poucos minutos depois, Rosário de Paula Ferreira estava penteada. Viriata fez uma mesura esquisita e foi saindo, não sem antes dirigir-se a Perpétua:

— E a senhorinha, quer alguma coisa? De beber, de comer?

— Não, Viriata. Pode ir... — Quando a negra fechou a porta, não resistiu e perguntou: — Você vai sair, Rosário? Pôs um de seus melhores vestidos, está toda engalanada, parece que vai a uma festa...

Rosário fitou a prima com algum desdém. Sorriu e disse:

— Sair para onde, nesse descampado? Ora, Perpétua, estou apenas me arrumando um pouco, me arrumando para mim mesma... Uma moça não pode descuidar da vaidade, se não está perdida...

Perpétua tornou a pegar o livro do colo. Virando as páginas sem interesse, retrucou:

— A sua vaidade está intacta, Rosário. Sete meses aqui nem a arranharam.

Rosário deu uma última olhada no espelho. Ergueu-se, alisou as saias do vestido azul que usava e avisou que ia ao escritório, procurar um bom romance para a noite. Saiu de mansinho, pisando leve pelo corredor.

Depois que a prima deixou o quarto, Perpétua ficou pensativa.

Rosário entrou no escritório. Alguma escrava já tinha acendido o lampião. A luz tênue dançava na sala, e da janela ainda vinha a claridade dourada do entardecer. Rosário puxou um pouco as cortinas, sentou na poltrona de couro negro, com a qual já começara a criar uma certa relação. Quando pensava em Steban, era o cheiro daquele couro que lhe vinha às narinas. Steban não tinha odor de seu, mas que cheiro teriam os espectros? Rosário irritou-se com essa conjectura: Steban era um homem, nada mais, nada menos do que isso, um soldado valente e belo. E o amava. Viam-se em segredo, pois sim, mas dizer o quê às tias e à mãe? E Steban temia Bento Gonçalves, temia-o com todas as suas forças. Não, ele ainda não lhe havia contado a razão daquele pânico, mas logo haveria de dizer-lhe tudo. Estavam mui unidos. Quando o pai voltasse para buscá-las, aí sim, aí chamaria Steban para conhecê-lo e poderiam ter um namoro formal.

Fechou os olhos e chamou por ele. Eram tão unidos que na maioria das vezes ela nem precisava lhe falar, bastava um olhar, um sorriso. Steban a compreendia completamente. De olhos bem fechados, convidou-o a aparecer. Esperou alguns segundos, as pálpebras unidas com força, o coração inquieto. Da rua vinha a cantoria dos peões, frases perdidas, que o vento espalhava sem ordem. Testou a voz:

— Estoy aquí.

Abriu os olhos brilhantes de alegria. A sua frente, Steban sorria um riso cálido, sensual. Os olhos ardiam a velha febre, mas a ferida em sua testa hoje parecia seca, mal a velha bandagem avermelhava-se a um canto. Rosário sentiu um espasmo de felicidade.

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