Chegamos a um ponto crucial dessa história esquisita.
Agora é quando vou tentar explicar o que me levou a... Bem, a tomar essas decisões que irão ver a seguir...
Então, vamos lá... Existe aquela história de que todo mundo tem um anjo e um diabinho ao lado em cada lado do ombro, certo? Só que, comigo, o anjo tirou férias por tempo indeterminado e deixou dois capetas cuidando da minha inocente pessoa. Podemos concluir, por fim, que a minha mente não é poluída... É algo maior e terrivelmente mais safado.
Eu e o Marcel - ainda estava me acostumando a chama-lo assim e esquecer o "carinha dos frios" - estabelecemos um tipo de rotina. Eu ia comprar qualquer coisa na área dos frios, sorria para ele e nós conversávamos por mensagem. Dessa forma, eu podia fitar aqueles olhos verdes e sorriso brincalhão antes de ir trabalhar, utilizando-o como remédio para o meu mau humor matinal, tomando a minha dose diária...
No entanto, o problema em ser uma pessoa hipocondríaca - viciada em medicamentos - é que vai chegar um momento aonde aquele medicamento não vai mais funcionar, não naquela quantidade ou aquela composição. E, depois de uma semana nesse vai-e-vem de "me olha, te olho, conversamos pelo celular e quase nada pessoalmente", eu cansei. Queria mais. Precisa de mais ação, ver até onde aquele marinheiro poderia navegar.
Pensando nisso, acordei inspirada.
E, como era sábado e nem se eu quisesse poderia trabalhar, dormi até as nove.
Tomei um bom banho e com a mente fervilhando, abri minha gaveta de lingeries.
Eu já sabia o que fazer. Tinha uma breve experiência na arte de mandar mensagens sacanas. E, eu não conseguia ser a administradora séria, ou a menina divertida sempre. Na verdade, eu não sou e não consigo mais passar um único segundo sem me lembrar daquele sorriso, músculos e olhos.
- Nick, vai pra sala. Mamãe vai ficar ocupada agora... - Joguei sua bolinha e ele foi correndo brincar com ela, se entretendo. Meus olhos pousaram na lingerie minúscula e eu sorri. Aquilo não era fio dental... Era quase uma linha preta com pequenos cristais dourados. Aproveitando a iluminação natural, abri a janela, deixando o ambiente à meia luz e posicionei a câmera.
Foto por foto, eu ria do quão ridículo aquilo era.
Até que eu fiquei tão à vontade ao ponto de tirar uma sem nada.
Esses momentos de "boa" com o meu corpo, eram completamente raros. Tanto que todas as fotos foram de costas. O cabelo solto, os poucos raios de sol batendo na minha pele morena e iluminando algumas estrias na parte das costas e com o olhar de experiência, eu fitava a câmera. Um meio sorriso e promessas inteiras.
Era aquela que eu mandaria.
O relógio marcava dez horas da manhã quando mandei algumas das fotos.
Assim que eu apertei o "enviar" e o pequeno "v" apareceu, me corroí com o arrependimento.
Eu estava acostumada a fazer aquilo com desconhecidos. Franceses, italianos, gente do outro lado do mundo... Testava as minhas teorias, falava as coisas certas... Era como um jogo. Apenas apertar os botões certos e ver o que ia dar. E eu sabia que isso, meio que me transformava em uma mulher fácil. Meus acessos de baixa auto estima me faziam tomar decisões erradas.
Depois de me expor e a adrenalina... Depois de toda a excitação passar, eu me sentia vazia e sozinha.
E dessa vez não foi diferente... Não, estou mentindo ao dizer isso...
Dessa vez foi sim, diferente.
O cara para quem eu tinha me exposto estava a alguns quilômetros de distância, trabalhando em uma padaria que eu frequento todos os dias. Não havia para onde fugir ou me esconder. E, quando eu já estava pensando em voltar a cortar carboidratos da minha vida, esquecer o pão e comprar a ração do Nick em outro lugar, meu celular praticamente gritou, com uma nova mensagem...
Minhas mãos deram uma leve tremida. O que era inédito, pois eu já estava acostumada com isso.
"Uau"
Três letras.
Eu sei que tinha o pego de surpresa, nosso assunto anterior não tinha nada haver com sexo. Ou sequer conversamos algo do tipo. Mas, apenas essa palavra foi o bastante para eu notar que ele, Marcel, era diferente. Ou não tinha o mínimo interesse em mim.
"Com você assim, nessa posição, eu te pegava."
Nada de palavrões, nada de "gostosa do caralho". Nenhum pedido de "manda mais".
Eu não sabia se sorria com a aparente aprovação ou estranhava.
Mas, de uma coisa eu sabia, eu estava bem arrependida.
"Esquece isso. Esquece que eu te mandei essa foto. Foi um erro."
"Não"
Bufei com vontade de jogar o celular pela janela e magicamente o fazer bater na cabeça dele lá na padaria.
"Marcel, esquece que acabou de ver a porra da minha bunda."
"Não"
"Como eu vou te olhar na padaria?"
"Como olha sempre, nada mudou".
Mandei uma carinha revirando os olhos - acho que devo exigir direitos autorais, porque essa figurinha praticamente me define o tempo todo - e, se arrependimento matasse, estaria enterrada.
Afundei a cabeça, remoendo a merda que fiz. Ficando perto de chorar e molhar o travesseiro com as minhas lágrimas e, sem perceber, acabei cochilando.
Os latidos altos do Nick me acordaram e eu tive vontade de soltar uma gargalhada irônica ao ver o meu lindo husky siberiano com a tigela de ração vazia, em sua boca.
- Você come os petiscos, amanhã eu vou ao shopping e compr...
Outro latido, seguido por um olhar pidão e quase suplicante.
- Sério, Nick? - Choraminguei.
Ele soltou a tigela e se sentou, colocando a língua para fora.
É. Até o cachorro quer que eu dê de cara com o Marcel.
- OK! - Ele latiu novamente. - Posso trocar de roupa? Ou quer que eu vá de toalha?
Muito esperto, ele saiu do quarto. Rapidamente, entrei em um short de pijama e uma regata. Para quê me arrumar? Eu vou á padaria, não a um desfile.
Tá bom.
Talvez eu não queira que fique tão na cara que só comecei a ir mais arrumadinha para lá depois que o Marcel apareceu. Mas hoje vai ser diferente! Ele vai ter que me ver sem maquiagem, com cara de sono e pijama!
- Tá, mas pelo menos um perfuminho... - Resmunguei, borrifando um pouquinho da minha fragrância predileta com notas de orquídea e meio adocicado. - Vamos lá. Não pode ser tão mal. Ele só viu você nua e... - Sentei novamente na cama. - NICK, VOCÊ VAI FICAR SEM RAÇÃO!
Suspirei, olhando o celular e revendo a conversa.
Com vergonha alheia - na verdade, era vergonha de mim mesma - apaguei as fotos e as mensagens. Tomando o máximo de coragem possível, levantei, pegando o dinheiro e as sandálias. Entrei no elevador decidida a encarar esse meu novo "problema" - que tem nome, olhos verdes e CPF - de frente, sem fugir ou me esconder.
Nunca tive vergonha na cara... Por que teria agora?
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O Sabor Dos Seus Lábios - As Whiter's
AléatoireASSIM COMO MAR CALMO NUNCA FEZ BOM MARINHEIRO, SÃO OS INVESTIMENTOS DE RISCO QUE FAZEM OS EMPRESÁRIOS DE SUCESSO. O que uma mulher bem sucedida que venceu vários preconceitos por ser jovem e acima do peso, conseguindo chegar ao cargo de Supe...