Frederico e os outros vinte meninos esperavam no pátio externo da Mansão Real de Beloú. Dentro da mansão, médicos tratavam o rei Fulbert. Aqui fora, veteranos faziam apostas sobre que punição o rei daria aos soldados da Batalha da Ponte:
— Uma decapitação.
— A orelha esquerda de cada soldado.
— Não — disse um terceiro — o rei Fulbert gosta mais das orelhas direitas.
— Um dedo da mão direita de cada moleque.
Frederico endireitou-se quando a porta dupla da Mansão Real de Beloú se abriu e Faust saiu para o pátio. O irmão de Frederico caminhava como se fosse a força de seus passos que fizesse o mundo girar. Usava um kimono vermelho folgado e trazia a espada na mão.
— Nunca vi tamanho fiasco em toda a minha vida — ele disse. — Estendam a mão direita.
Os meninos cabisbaixos fizeram fila. Frederico atravessou o pátio em direção ao irmão e Faust fez um aceno positivo com a cabeça.
— Frederico, já é tempo de você aplicar uma punição — e estendeu a espada.
Ao contrário de Faust, Frederico era delgado, tinha lábios finos e queixo delicado, cabelos mais claros. Ele postou-se de frente a Faust, de costas para os outros meninos, e estendeu a mãozinha gelada, palma para baixo. Faust, ainda com a espada no ar, apertou os olhos como quem vê contra o sol.
— O que é isto?
— Corte fora — falou Frederico.
— Você, não.
— Corte fora.
— Venha aqui. — Faust apontou para o chão ao seu lado.
— Corte.
Faust enrijeceu a mandíbula.
— Frederico, você é um príncipe de Patire. Seu lugar é aqui, ao meu lado.
E Frederico olhou bem dentro dos olhos de Faust.
— Corte fora.
Faust apertou o punho da espada, deu as costas ao irmão e voltou para dentro da mansão com curtos passos rápidos. O pátio ficou em silêncio. Todos os olhos sobre o principezinho, que baixou a mão devagar. Os soldadinhos se entreolharam sem acreditar que ainda tivessem todos os dedos das mãos. Os veteranos começaram a brigar pelo dinheiro da aposta.
— Mas eu acertei — disse o soldado em blocos.
— Não teve punição.
— Mesmo assim, eu acertei.
Frederico escondeu as mãos nos bolsos para que ninguém visse o quanto elas tremiam. Ele deu as costas para a Mansão Real e afastou-se em direção ao portão. Seus olhos ainda estavam anuviados pelo medo e ele não viu como os outros soldados abriram caminho para ele, nem percebeu o silêncio que se fez quando ele passou perto dos veteranos.
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A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...