Capítulo 31: Neville - Nos porões da minha memória

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Os soldados seguiam Neville pela rua. Não andavam simplesmente atrás dele, seguiam-no. Antes de Neville, Fabec era o fim. O capitão derrotou mais de uma vez o príncipe Faust de Patire, trazia os soldados vivos de volta a Fabec. Há anos Debur não enviava reforços, ainda assim Fabec resistia e as trevas engoliam menos vida.

Pois todos sabiam, embora ninguém dissesse, que havia trevas na Boca da Guerra. No vale cinzento, a morte era lenta, chocolate derretendo em boca de criança contente. Gritos de agonia eram mais agudos; a dor, mais profunda e longa. Alguma coisa envolvia a língua na doçura vermelha da agonia prolongada. Sim, alguma coisa vivia na Boca da Guerra.

Neville às vezes visitava essa coisa. Ela odiava o arco negro, mas gostava de Neville. A sensação que Neville tinha era de que, antes dele a coisa que vivia na Boca da Guerra estava entediada como um animal numa jaula, recebendo ração esporádica de sangue e roendo ossos velhos sem gosto. Quando ele chegou, Fabec se reergueu e forçou Beloú a levantar as orelhas, guerrear com estratégia, lutar por uma vitória. A coisa se agitou também.

Neville nunca perdia, mas também nunca vencia: as trevas não deixavam. No começo, ele visitava as trevas tentando entender porque elas atolavam o progresso da guerra. Agora, ele as visitava porque assim ele desaparecia. Não havia esperança, mas fora das trevas ele sentia falta dela. Ali, embrulhado em frio cinzento, a esperança não fazia falta. Neville era osso velho, fóssil caminhando à força de bushido. Às vezes ele se agarrava ao arco negro, como afogado se prende a um galho. Nas trevas, ele, fóssil, podia se enterrar e simplesmente estar.

Fabec era, sim, o fim.

A Casa Quadrada de Fabec, quartel do exército de Baynard, datava do Primeiro Império Satironês. Cercada de colunas lisas que afinavam no topo, tinha na entrada um mosaico grande, gasto por quatro séculos de calcanhares bélicos. Ainda assim se podiam discernir três lobos, um preto, um cinza e um pardo. A porta tinha uma moldura de mármore em baixo relevo. No topo, uma águia de asas abertas. Nas bases da moldura, de um lado, um sapo singelo; do outro lado, uma raposa em pé, posicionando-se para saltar o vão e se unir ao sapo. Neville nunca havia reparado neles antes. Sabia que eles estavam lá, mas não havia prestado atenção aos músculos da raposa, tensos logo antes do salto, no uivo dos lobos, que ecoava no mármore, no sapo, que te olhava nos olhos.

Mais cedo naquele dia, uma coisa estranha aconteceu na Boca da Guerra. Neville estava imerso em trevas, deixando-se fóssil, quando as trevas escorreram para longe dele, sopradas embora que nem fumaça em vendaval. As trevas sibilaram como milhares de línguas de cobra e Neville viu, parado nos lábios da Guerra, um vulto negro, encapuzado e sem rosto.

A aparição durou apenas alguns segundos, mas ficou marcada no fundo dos olhos de Neville como o oposto de um raio. Assim que o vulto desapareceu, as trevas voltaram a se alojar ao redor de Neville, mas elas estavam inquietas, feridas e não tocaram nele, sensíveis demais ao arco negro em sua mão.

Nesse dia, os músculos da raposa de mármore se retesaram, o uivo dos lobos ecoou nos veios de pedra e o sapo olhou para Neville. Um soldado encontrou-o sobre o mosaico, em baixo do que um dia foi uma luminária, nos tempos em que feitiçaria iluminava a Franária. O soldado era Manó, assassino de treze. Ele ainda tinha na testa a cicatriz do dia em que treze morreram nos portões do Esmeralda.

— Alguém se aproxima pelo leste — Manó disse.

Eles subiram até o terraço, de onde se via a estrada.

— Talvez Henrique queira reforços — disse Manó, torcendo os lábios.

Pelas ruas de Fabec todos diziam que, se dependesse de Henrique, Baynard já pertenceria a Patire. Na estrada, o viajante tropeçou, quase caiu.

— Dê-lhe algo para comer — disse Neville — depois traga-o até mim.

Três horas mais tarde Neville abriu a porta de seu escritório para um homem lívido de cabelos cor de palha e sorriso escancarado.

— Mudei tanto assim? — disse o homem.

Dos porões da memória de Neville veio a fresta de uma lembrança. A vida que ele teve antes de Fabec estava enterrada em trevas e foi só depois de alguns minutos de esforço que Neville se lembrou.

— Robert? — Ele perguntou. — Robert! — Neville apertou o amigo contra o peito.

Robert estava tão fraco que quase se desfez contra os braços de pedra do arqueiro. Devagar, Neville soltou-o sobre uma cadeira. Robert piscou depressa, mas Neville viu uma lágrima fugir pelo canto do olho do amigo.

— Conte-me — disse Neville.    


Lucille e Nuille, para variar

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Lucille e Nuille, para variar.

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