Vivianne foi buscar as coisas dela no acampamento. Marcus nunca se hospedava na Pedra porque jamais abriria os portões de Lune para Adelaide novamente. Lune dava as boas vindas a Clément apenas. E Vivianne gostava de ficar na Pedra porque a Pedra ainda era em grande parte território inexplorado. Desta vez, ela pretendia ficar com Marcus no acampamento ao pé da montanha por causa da raiva que sentiu de Clément após a vila dos mortos. Mas, Você gritou, e eles eram melhores amigos outra vez.
Clément esperou na montanha, logo antes de rocha virar grama. Era abrupta a mudança na Pedra. Um passo pedra preta, o pé seguinte macio verde.
— Não gosto do jeito como Marcus olha para mim — disse o príncipe. — Eu me sinto uma minhoca.
— Minhocas são mais úteis do que Clément de Deran — disse Marcus quando Vivianne contou para ele por que o príncipe havia ficado na montanha. — Minhocas não têm medo de descer montanhas.
Vivianne voltou para a Pedra com sua mochila e uma lista de compras que Marcus lhe entregou. A Caravana de Rimbaud estava na Pedra e Marcus havia feito algumas encomendas. Mais tarde, Rimbaud iria a Lune, mas Marcus e Vivianne chegariam lá muito antes dele e Marcus podia carregar as próprias encomendas. Ele só não queria respirar o mesmo ar daquela rainha.
Para Vivianne, o dia em que Adelaide visitou Lune era mais dor do que raiva. Ela era pequena demais para perceber o perigo, para entender o significado daquela rainha pisando em Lune. Lembrava-se de um certo alívio, da sensação de segurança quando o Vulto envolveu Lune em sua sombra, mas não sabia alívio de quê, segurança contra o quê. Aquele dia para Vivianne era mais uma perda do que atrito. Até hoje ela ainda tinha mania de deixar portas abertas, o que irritava Marcus porque Lune tinha vento e as portas batiam. Ela não fazia isso de forma consciente, mas alguma coisa dentro dela evitava fechar portas porque achava que alguém estava lá fora tentando voltar para casa.
Quando Vivianne se afastou do irmão, com sua mochila e a lista de compras, ouviu Ernest, um soldado migrado de Patire, perguntar a Marcus:
— Você não tem medo que Adelaide a tome como refém?
— Se a rainha fizer alguma coisa a Vivianne — disse Marcus — ela terá de se ver com o Vulto.
Clément se ofereceu para carregar a mochila de Vivianne, afinal, ele era o anfitrião, mas Vivianne era mais forte do que ele. Sempre seria. Eles deixaram as coisas no quarto de Clément. Quando estava na Pedra, Vivianne dividia o quarto com o príncipe. Ela pediu para ele segurar a lista de compras e arrumou as coisas em uma gaveta.
— Minha mãe disse que um dia vamos nos casar — ele disse enquanto ajudava ela a tirar as roupas da mochila.
Os dois fizeram cara de nojo e depois riram até perder o fôlego. Passaram o dia brincando de se dar as mãos e os braços e fingiram fazer compras juntos para o lar.
— Elmos e botas para os soldadso — disse Vivianne.
— Pão e manteiga para o café da manhã — disse Clément.
— Nós fazemos nosso próprio pão e manteiga — disse Vivianne.
— Em Lune, talvez, não na Pedra.
— Vamos morar em Lune.
— Vamos morar na Pedra.
E assim começou a primeira briga do casal.
A Caravana de Rimbaud ocupava todo o primeiro patamar da Pedra. O castelo era feito em blocos, como um bolo de vários andares. Cada bloco tinha uma área externa do lado interno de uma muralha. Ali ficavam casas, lojas, oficinas, mas a maioria estava abandonada, resquícios de um tempo em que a Franária ainda era inteira e fazia parte de um império. Somente o último bloco estava ocupado, inclusive o castelo. A parte externa da Pedra se comunicava com o resto da cidade e castelo através de um emaranhado de túneis que Vivianne mapeou dois anos antes.
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A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...