Capítulo 128: Diário de um dragão

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Deixei-me ficar no vácuo. Aconcheguei-me no silêncio frio, adormeci. Pensar que estou em débito com um humano. Que ele sabia não passar de um objeto de estudo para mim. Pensar que não me importo, que minha única preocupação é se ele sobreviverá aos ferimentos que recebeu quando me salvou. Há três dias ele jaz inconsciente em sua tenda. Há dois dias eu pousei na colina do outro lado da estrada.

Houve gritos de aviso, de socorro, mãos às armas. Da tenda de Pierre surgiu uma jovem humana de cabelos claros. Percebi o medo dela, espremida ali entre eu e a expectativa de todos os outros humanos. Entendi que ela era líder, o que ela fizesse, os outros fariam.

A humana preparou uma fogueira, sentou-se, aqueceu sopa e pôs-se a ingeri-la lentamente, imagino que com dificuldade. Outros dois humanos se juntaram a ela: um de pele branca e cabelos ruivos, em cujo braço e rosto reconheci a lambida de minha própria chama. Ele tentou comer, mas foi impossível — suas mãos tremiam demais.

O outro eu reconheci: meio-irmão do Objeto de Estudo número 09. Meio-irmão de Pierre. O meio-irmão não me olhou. Serviu-se de sopa, mas não comeu. Imaginei que ele considerasse meus crimes por demais hediondos para serem perdoados. Muitos humanos, receio, não saberão discernir Chelag'Ren de Guerra.

Pierre finalmente emergiu de sua tenda, amparado de um lado pela moça loira, do outro pelo meio-irmão. O jovem queimado pela metade passava a maior parte do tempo escondido. Eu fui até eles. Posicionei-me entre as tendas, sem perturbar um objeto, uma roupa lavada no varal.

Os humanos que estavam próximos se afastaram, os que estavam longe se adiantaram. Formou-se um círculo no centro do qual estava Pierre.

Ele se desprendeu de suas muletas humanas com murmúrios de agradecimento e adiantou-se até mim devagar, num caminhar rígido e doído. Estendeu a mão para minha cabeça inclinada, mas recolheu-a depressa. Tantas vezes eu lhe havia dito que detestava o toque humano.

Inclinei minha cabeça ainda mais, rocei seu ombro. Ele se espantou, mas imediatamente e com um dos maiores sorrisos que já vi em seu rosto, abriu os dois braços e se jogou de encontro ao meu nariz. Meu primeiro abraço.

— Obrigado — disse o dragão. Tinha voz de folhas ao vento.

A Boca da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora