Olivier, conselheiro do rei Henrique de Baynard, dono do rei Henrique de Baynard, agora não passava de um homem comprido e sulcado na frente de uma porta fechada.
Como é que Thaila conseguia fazer isso? Como é que sempre encontrava uma porta para trancar, uma chave que ele não tinha? Como é que ela conseguiu emagrecer tanto? Ela se recusava a comer, mas ele a forçava. Mesmo assim Thaila definhava.
— Monstro — veio uma voz fraca do outro lado da porta. Tudo o que ela dizia era aquilo. Monstro.
Ele esparramou as mãos contra a madeira maciça.
— Eu te salvei. Sou tudo o que te resta.
E a porta respondeu silêncio.
Olivier ia derrubar aquela porta, assim como ele já tinha derrubado tantas outras. Portas, janelas, paredes: ele as derrubaria todas. Lençóis, roupas, correntes, ele rasgaria tudo. Mas cada pedaço de pano que ele rasgava, cada pedaço de madeira que ele despedaçava, Olivier se sentia mais velho.
O asco nos pequenos olhos pretos de Thaila quando ele foi à sua casa prendê-la. O movimento sutil dos lábios dela quando a mão dele encostou nela. Achou que ela iria vomitar e ele mesmo sentiu nojo daquela mão branca na pele lisa de cobre.
— Senhor — chamaram.
Olivier se afastou da porta enojada e encarou o desprezo de Erla. Até Erla! Quando foi que Erla ficou mais alta do que ele? Não, ele é que tinha diminuído, ficado encolhido e transparente feito roupa lavada vezes demais. Ela passou a dizer senhor quando Olivier trouxe Thaila para Tuen. Senhor com as gengivas vermelhas à mostra.
— Senhor, Pierre está aqui.
— Pierre? — Olivier vasculhou a mente em busca de uma memória que despertasse ao nome. Não encontrou nada, nem mesmo a mente. Os pensamentos estavam mais rarefeitos que oxigênio no topo dos Oltiens.
— Pierre da Fronteira, domador de dragões — disse Erla. — Eu já avisei o senhor. Pierre tomou conta de Tuen e também de Chambert. Eu avisei. Estou sempre avisando.
Fronteira! Para que alguém da Fronteira viria até esta bagunça que era o resto da Franária? Thaila se matando de fome do outro lado da porta e Erla falando em dragões. Thaila com nojo da mão de Olivier e Erla falando em Fronteiras.
Erla: a desaprovação dela era quase mais pesada que o desprezo de Thaila. Erla estava tão alta. Continuava a mesma mulher magnífica que foi sozinha até Debur gritar exigências a Henrique de Baynard sete anos atrás. Ela levantou a voz e disse todas as coisas que ainda iam presas na garganta de Olivier. Ele, por outro lado, vendeu para Anuré gente que um dia foi sua amiga, ele havia finalmente tocado a mão de Thaila, que agora se matava de fome atrás de três centímetros de madeira maciça.
— Eu acho que eles vão invadir se o senhor não for até a porta. — Erla tinha pupilas cinzentas. Os olhos eram castanhos, mas o buraco negro no centro da íris não era preto, era cinza.
Invadir? Sim, claro, ele iria invadir. Havia machados em algum lugar deste palacete e Olivier derrubaria aqueles três centímetros para chegar até Thaila. Olivier desceu as escadas em direção à sala de armas, mas deteve-se no saguão de entrada ao ver a porta escancarada e uma silhueta esquisita com duas cabeças emolduradas em luz.
— Olivier de Tuen — a voz da silhueta reverberou pelas colunas.
Ele se aproximou da porta, mas cada passo que ele dava era mais devagar e menor que o anterior. A silhueta foi se revelando um rapaz com olhos cor de mel e uma moça de olhos cor de gelo. Atrás deles estavam dois monstros e meio de pele derretida, dois deles armados. Do lado de fora centenas de pessoas esperavam atrás de Maurice e Gaul de Tuen. Foi Olivier quem fez aqueles homens prefeito e capitão. Eles não podiam se voltar contra ele.
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A Boca da Guerra
FantasíaUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...