Frederico voltou com seus soldados para Beloú, os ossos pesados com as cinzas da Boca da Guerra. Frederico nunca havia entrado na Boca da Guerra, nunca havia atravessado os portões de Beloú para o Leste. Preferia ter continuado sem ver aquela plantação de ossos, com pedaços de metal despontando de solo morto. Ainda mais porque haviam cruzado o vale à toa. Não encontraram sobrevivente algum.
— Veja — Leon apontou para o topo da Mansão Real de Beloú, onde a bandeira de Patire havia sido içada.
Faust havia voltado. Frederico acelerou o passo até a mansão, subiu as escadas de dois em dois degraus e abriu a porta do quarto do irmão sem bater.
De costas para ele, delineada contra a janela, estava uma mulher murcha, de cabelos grisalhos e vestido amarelado. A rainha se voltou devagar e o pesadelo de Frederico escalou o cérebro até o couro cabeludo, arrepiando todos os cabelos.
— Onde está Faust? — perguntou Frederico.
— Filho — disse Margot de Patire.
A última lembrança que Frederico tinha da mãe eram as mãos grandes calejadas do homem no calabouço de gelo, a aspereza de uma adaga contra seus próprios dedos. Os olhos da cachorrinha.
A rainha Margot pegou as mãos de Frederico.
— Ainda tão lisas. Você continua o mesmo.
— Você, não?
— Nós... seu pai precisa de você.
— Ele nunca precisou de mim antes.
— Ele precisa que você se torne um guerreiro.
Ele libertou a mão das dela.
— Frederico, você deve entender — disse Margot. — Que utilidade tem Patire para alguém como você?
Ele a encarou com tristeza, depois com raiva, finalmente indiferente.
— O rei já tem um guerreiro — ele disse. — O outro filho, aquele que ele ama.
Ela pegou novamente sua mão e pressionou contra a palma uma coisa fria, pesada, metálica.
— Não mais — ela disse.
Frederico olhou para o medalhão de Faust em sua mão.
— Patire foi invadida. Neville de Baynard matou seu irmão.
A rainha deixou o quarto de Faust, empurrou o chão de madeira rangente com os pés dolorosos — calcanhar, sola inteira, ponta, calcanhar, sola inteira, ponta — até o quarto no fim do corredor. Do outro lado da porta havia um velho numa cadeira, com as mãos presas em dedos entrelaçados. De quando em quando a cabeça se movia numa negativa fugidia.
Margot passou pelo homem que matou seus filhos e ficou à janela. Depois de muito tempo, Frederico surgiu no pátio lá fora e um jovem soldado negro entregou-lhe as rédeas de um cavalo. Frederico caminhou devagar arrastando o cavalo cabisbaixo para o portão. O soldado fez menção de segui-lo, pareceu chamá-lo, mas Frederico não deu sinal de ter ouvido. Outro soldado, um ruivo, apareceu ao lado do mais jovem. Eles olhavam as costas de Frederico e Margot olhava as costas deles.
Houve um tempo em que Margot tinhacinco filhos. Agora não tinha nenhum.
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A Boca da Guerra
FantasiaUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...