A cada passo que Vivianne deu, ela morreu um pouco mais. Primeiro viu Líran, o corpo contorcido, lábios azulados em rosto muito pálido. Nem um fio púrpura nos cabelos encaracolados. Depois percebeu Marcus, parecia morto junto a um amontoado de trapos negros. A glória da vitória, a felicidade quase histérica de ver dragão e trevas recuarem para a Boca, tudo morreu em farrapos. Vivianne sentiu a mesma dor de quando viu Lune em ruínas, só que em muito maior intensidade. Queria sair de seu corpo. Ela inteira era dor.
Mal percebeu o som de cascos de cavalo, ou Pierre apeando ao seu lado. Viu-o ajoelhar-se, colocar a mão no pulso de Marcus. Depois, ele aproximou o ouvido dos farrapos negros que eram o Vulto. Por fim, testou o pulso de Líran.
— Estão todos vivos — ele disse.
Foi então que Vivianne começou a chorar.
*
Fregósbor ficou em pé onde Mortadela estava um segundo antes. Ele olhou para o entardecer. Olhinhos amarelos direto no sol. Então percebeu um corpo em pé ao seu lado.
— Eu te conheço — disse o mago. — Você é aquele Acidentado, o Leonard.
O corpo não respondeu. Fregósbor chegou bem perto e examinou o corpo do Acidentado.
— Você não está aqui.
De repente uma bola de pelos voou janela adentro e pousou no ombro do Acidentado. O gato sem rabo sibilou e rosnou para Fregósbor, mas Leonard se moveu e pegou o mago pelos ombros.
— Precisamos de você — ele disse. — Pierre precisa de você.
Só então o mago percebeu a vida de seu mestre perdendo intensidade no norte. E uma voz que sabia seu nome chamando:
— Fregósbor.
— Pierre — disse o mago. — Onde está a história?
— Está aqui comigo e precisa de você.
Fregórbor pegou o braço do Acidentado.
— Leve-me até ele.
O corpo de Leonard surgiu com Fregósbor junto a Pierre, que segurava Vivianne, que chorava ainda.
— Pode salvá-los? — perguntou Pierre.
— Posso tentar — disse Fregósbor.
Germon e Bojet já haviam erguido uma tenda para Fregórbor e seus três pacientes. O mago velho examinou o mago antigo, depois colocou a mão na testa de Líran e por fim examinou Marcus. Ele percebeu Vivianne na entrada da tenda. Ela havia parado de chorar e não piscava. Fregósbor fechou a entrada da tenda.
— Silêncio, solidão e nenhum medo — ele disse atrás da lona. — É disso que estes três precisam agora. Isso e muita magia.
Vivianne viu, talvez pela última vez, Líran, seu irmão e o seu Vulto.
Pierre colocou mão no ombro dela e Vivianne relaxou sob o calor daqueles dedos. Não se encararam, ela ficou de costas para ele, mas a mão permaneceu no ombro e o ombro permaneceu na mão.
— Se alguém pode salvá-los, — disse Pierre — esse alguém é Fregósbor.
Vivianne relaxou as costas contra o peito dele.
— Suponho que eu deva fazer algo útil — disse Vivianne. — Ficar aqui não serve para nada.
— Precisamos falar com Clément — disse Pierre.
— Levarei Coalim comigo.
— Mais tarde, quero saber tudo o que aconteceu desde que saiu de Chambert — disse Pierre. Segurou o ombro de Vivianne alguns segundos mais e se afastou.
Um brilho chamou a atenção dePierre onde o Vulto, Líran e o Mestre de Lune haviam tombado. Ele desceu omorro, agaixou-se e afastou a terra com os dedos. Pegou na mão uma garrafinhade tinta.
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A Boca da Guerra
FantasiUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...