Os dias que se seguiram foram sossego e calmaria. Pierre desejou que eles não terminassem. Passava horas com Vivianne, tentava consolar Coalim com promessas de conversar com Adelaide. Não via motivos para matar Clément, mesmo se não fosse amigo de Coalim e de Vivianne. Com Gregoire, os momentos voavam quietos. Os irmãos falavam pouco, mas seu silêncio era confortável. Nenhum dos dois imaginou um futuro como este. Nenhum dos dois adivinhou do que era capaz. Pierre contou a Gregoire sobre sua ida à Terra dos Banidos.
— Ele te considera uma cobaia e mesmo assim você arriscou sua vida por ele? — perguntou Gregoire.
— Quando eu li tudo aquilo, me machuquei. É terrível saber-se não amado por alguém que é o seu mundo. Mas decidi que não importava. Nada mudava o que ele tinha me dado, o que ele tinha feito por mim. Ele podia não ser meu amigo, mas eu era dele.
A maior parte do tempo, Pierre passeava com Chelag'Ren. Conversavam muito, mas não como antigamente; histórias curiosas, sabedorias inocentes. Trocavam palavras de dúvida e, muitas vezes, palavras de cura. O mundo e eles haviam mudado e ambos procuravam agora um lugar a que pudessem pertencer. Chelag'Ren já não falava com sarcasmo sobre a amizade entre um ser humano e um dragão.
Caminharam um dia pela Boca da Guerra. O feitiço de trevas havia se quebrado, mas não o de morte. Guerra estava morta, mas as consequências de sua existência repercutiriam durante muito tempo.
— Será que este vale um dia voltará ao que era? — perguntou Pierre.
— Feridas como esta deixam cicatrizes — disse o dragão. — Mas se curam. Veja.
Pierre agachou-se perto de uma manchinha verde no meio do vale. Uma haste frágil com duas folhinhas se esticava para o céu.
— Um pé de avelã — disse Pierre.
Levantou-se e retomaram sua caminhada.
— Você vai voltar à Terra dos Banidos? — perguntou Pierre.
— Deixei de ser o que era — disse Chelag'Ren.
— Sinto muito.
— Um mal aconteceu a todos nós, mas vencemos. Sua fé em mim me manteve são, sua amizade me guiou de volta a mim mesmo. Não posso voltar ao que eu era, mas não estou perdido. Devo isso a você, por isso não sinta tanto.
Saíram do vale em silêncio, caminharam até a estrada. Pierre sentou-se na grama, Chelag'Ren deitou-se.
— O que gostaria de fazer agora? — perguntou Pierre.
— Desfazer o mal que causei. Como isso é impossível, quero ao menos encontrar um meio de expiar meus crimes.
— Como?
— Ainda não sei. E quanto a você, pequenino? Creio que, como eu, não pode voltar à Fronteira.
— Tudo indica que eu também deixei de ser o que era.
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A Boca da Guerra
FantasíaUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...