Capítulo 61: Sáeril - O Impossível

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As trevas da Guerra pesavam mais que um oceano inteiro nas costas de Sáeril. Ele construíu um escafandro de magia, uma proteção frágil contra trevas daquela intensidade. Precisava encontrar depressa aquele homem que ainda lembrava quem era e sair dali antes de morrer esmagado. Sáeril enxergava muito pouco e foi com um chiado que puxou o fôlego necessário para chamar:

— Neville — e de novo — Neville.

A treva se perturbou numa espécie de ondulação pastosa, que Sáeril seguiu. Cada passo que dava naquela direção era um passo mais longe da própria salvação. Sáeril esperava não precisar ultrapassar o ponto de onde não podia voltar, mas a perturbação na treva vinha de muito além daquele limite.

Muito além de qualquer limite. Sáeril parou. A morte o esperava no passo seguinte. Neville estava muito além da morte. Sáeril avançou. As víceras se contorceram, o escafandro rachou, dois oceanos pesaram sobre os ombros de Sáeril, que caiu sobre um joelho, mas levantou-se com um grunhido, pois Neville ainda sabia quem era e, naquela profundidade, isso era impossível. O único poder mais forte que magia, trevas, tempo e todos os mistérios era o impossível. O impossível pertencia a Nuille.

O distúrbio na treva continuava ondulando. Lá estava Neville, contorcido, de olhos arregalados, afogado que não consegue morrer nem gritar. Sáeril pegou-o pelo cangote. As trevas não apenas esmagavam o homem por fora, mas por dentro também, expulsando o sangue das veias, preenchendo os pulmões, empurrando os ossos contra a pele.

Sáeril abriu a boca de Neville, enfiou a mão pela garganta sufocada, agarrou a escuridão oprimindo seu sangue. Neville se debateu, mas Sáeril segurou a cabeça dele com a outra mão. E puxou. As trevas que jorraram para fora da garganta de Neville eram escorregadias como cera e resistiam à força de Sáeril com a mesma persistência de vermes se afundando em carne morta. Os braços de Sáeril começaram a pesar, cada tendão doía, esticado e saltado, e ainda as trevas saíam pela boca de Neville.

Não vou aguentar, pensou Sáeril e o escafandro rachou um pouco mais. Ele colocou um dos pés contra o ombro de Neville, jogou toda a força de seu corpo para puxar aquelas trevas. Quando o último resquício de treva soltou Neville, o arqueiro caiu para o lado.

O escafandro rachou em mais dois lugares, trevas começaram a vazar pelos veios de sua magia cansada. Neville tossiu. Sáeril agarrou um ombro e puxou Neville para dentro de seu escafandro rachado. Neville podia saber quem era, mas havia perdido todas as cores. Estava cinzento como uma mancha na própria treva.

— Você tem cor — disse Neville.

— Por enquanto.

— Quem é você?

— Me chamo Sáeril Quepentorne.

Apertaram as mãos. Que coisa inverossímil, apertar as mãos no coração das trevas.

— O que está fazendo aqui? — perguntou Neville.

— Procurando você.

— Salvou minha vida.

— Não — disse Sáeril. — Estamos longe de estar a salvo. Por enquanto, só o que eu fiz foi colocar em risco minha própria existência.

— Então por que está aqui?

— Porque você ainda sabe seu nome. Nestas profundezas você não deveria mais saber que um dia foi alguém, quanto mais quem é. Algo impede as trevas de te dissolverem completamente. Essa força talvez me dê o poder necessário para içá-lo daqui.

— Que força?

— Eu esperava que você soubesse — disse Sáeril.

— Não sei do que está falando.

A Boca da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora