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1 mês depois...

Samantha narrando:

Não sei exatamente há quantos dias estou aqui, ou se já se passaram meses. Emagreci uns 08 kilos, meus cabelos estão caindo, e não tenho conseguindo comer por conta dos enjôos constantes. O Daleste se tornou um irmão pra mim nesse período, mesmo não me ajudando a fugir, no fundo sei que devo confiar no mesmo. Meu bebê parece estar bem, e ainda é o único motivo pra mim não ter me arriscado a fugir.

Samantha: Parece que me esqueceram aqui... - murmurei para eu mesma, se referindo ao Cadu.
Daleste: Quem princesona? - perguntou, adentrando no ambiente, com um prato feito.
Samantha: Nada... Só to pensando alto! - sorri forçado.
Daleste: Tá é ficando doida - riu, ele adorava me gastar - Toma, não quero ouvir um piu, é pra comer tudinho sem reclamar! - me entregou o prato.
Estava visivelmente saboroso, mas sabe quando você vê a comida, e seu estomago embrulha violentamente? Então, era assim que me sentia nos últimos dias.
Samantha: Tu fala como se eu fosse criança, Daleste - revirei os olhos, e segurei o garfo - Eu agradeço, mas não to com fome.
Daleste: Caralho, tu não come nada há quase dois dias, Samantha. Faz um esforço meu, tu tem uma vida ai - alisou minha barriga - Né sobrinho?
Não pude conter um sorriso largo, era gostoso saber que alguém além de mim, se importava com o meu filho.
Samantha: Tá bom - assenti com desânimo, levando uma garfada a boca.
Daleste: Tá no grau? - perguntou.
Assenti, terminando de engolir.
Samantha: Cadê o Dodô? - franzi o cenho.
Daleste: Não sei, saiu com o Digão, foi cobrar uns pela saco da pista - deu de ombros, enquanto alisava o cavanhaque.
Samantha: Daleste - dei uma pausa, antes de continuar - Por que tu trabalha pro Dodô? Por que aceita toda essa maldade?
Sua expressão mudou na hora, percebi que a pergunta o incomodou.
Daleste: Meu irmão... - murmurou - Meu irmão era vapor do Dodô. Quando ele chegou aqui no Antares, ninguém gostava dele, mas meu irmão foi o único mano que fortaleceu. Levava ele em casa, minha mãe dava comida pra ele, deixava ele dormir lá... Mas no fundo, ele nunca foi um cara maneiro. Até que o dia que ele peitou o dono do Antares, foi se esconder lá em casa. Dai minha mãe pediu pro Rafael escolher, entre a família ou o Dodô, e ele escolheu o Douglas. Desde então eu não reconheci meu mano mais, tá ligada! Vivia de fuzil atravessado pra cima e pra baixo, rodeado de ouro, crente que tava botando moral, nem aparecia mais em casa, nesse tempo o Dodô já era chefe do morro. Foi então que numa noite de sábado depois do baile, Rafael chegou em casa todo ensaguentado, falando que precisava meter o pé... - ele parou, uma lágrima rolou de seus olhos.
Permaneci em silêncio.
Daleste: Minha mãe desesperada, perguntou o que tava rolando, mas ele só falava que precisava fugir do morro, eu tava dormindo já, levantei assustado com a gritaria. Quando cheguei na sala, o Dodô tava ameaçando matar minha coroa, parece que o Rafael tinha ficado com uma mina que ele tava de olho, ele nunca aceitou perder. Meu irmão entrou na frente, impedindo que ele fizesse mal a minha mãe, então ele fuzilou meu irmão, com vários tiros. Eu vi meu mano cair na minha frente, um moleque novo, não passou dos 18. Desde então eu jurei vingança, quando o Dodô saiu por aquela porta, eu jurei, pela alma do Rafa, que ele ia pagar. Minha coroa ficou doente depois disso, não comia, não dormia direito, e parou de trabalhar, eu peguei num trampo de servente e sustentava o barraco, não demorou muito pra ela morrer, e me deixar sozinho.
Samantha: Então... É por isso que tu tá do lado do Dodô? - perguntei, ainda digerindo a história.
Daleste: Pode crê - assentiu - Eu vou acabar com esse desgraçado, só tó esperando a hora certa.
Samantha: Nossa, me desculpa - falei com a voz embargada, já chorando - Aquele dia, eu não devia ter falado daquele jeito contigo.
Daleste: Relaxa, mina, tá tudo certo! - sorriu, bagunçando meu cabelo.
Samantha: Para! - o empurrei - Mas... Mas só uma coisa, toma cuidado, eu não quero te perder - falei baixo.
Daleste: Não vai, neguinha - segurou meu queixo - Não vai. Agora... Ah, comeu tudo! Bom mermo, assim que eu gosto.
Nem reparei, havia limpado o prato, me distraí com a conversa. Confesso que me sentia melhor.
Samantha: Obrigada, tava ótimo - sorri, passando as costas da mão na boca.
Daleste: De nada, agora essa Coca aqui vamo rachar! - riu, abrindo a latinha.
Ele tomou metade, e eu terminei a outra metade. Ficamos conversando o resto do tempo, já estava anoitecendo, e nem sinal do Dodô. Menos mal.
Daleste: E o pela saco que foi no Careca aquele dia? O tal Cadu? - perguntou, enquanto brincava com os meus cabelos.
Samantha: O que tem ele? - murmurei.
Daleste: Teu macho, né?
Samantha: Era. Já te contei a história, Daleste - suspirei impaciente.
Daleste: Tá, mas tu gosta dele, né? - continuou.
Samantha: Uhum - assenti - Mas não dá mais certo, nunca deu, nunca vai dar.
Daleste: Mas ele é o pai da criança, pô.
Samantha: Ele nem quer meu filho, e quer saber? Não ligo - falei secamente - Só quero sair daqui, e poder cuidar do meu filho, e ter a minha vida. Não quero nunca mais saber dele!
Daleste: Para, as coisas não funcionam desse jeito - riu baixo.
Samantha: Comigo sim! - me levantei, deixando ele ali sozinho.

Caminhei para fora do barraco, me limitando a ficar no quintal, coberto pelo mato. Automaticamente as lagrimas escorreram no meu rosto, um aperto profundo no peito, me deixou mais vulnerável, era impossível não chorar ao lembrar do Cadu, apesar de tudo eu ainda o amava.

Daleste: Ei ei! - sua mão tocou meu ombro - Pode ficar aqui fora não, morena. Entra vai.
Samantha: Já vou - murmurei, limpando o rosto.
Daleste: Vem! - me puxou pelo pulso.

AO SUBIR O MORRO (F!)Onde histórias criam vida. Descubra agora