Prólogo

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5 de maio de 2017
20:46hrs

Daisy


_Você já vai?

Corini me pergunta enquanto começa a lavar o resto das roupas que eu não consegui lavar hoje na casa dos Albuquerque.

__Já deu minha hora. E eu estou acabada. Não sei como eles conseguem sujar tanta coisa em apenas dois dias.

Digo já calçando minha sapatilha confortável de camurça preta meio desgastada pelo tempo de uso. Corini põe sabão na bacia e joga as camisas sociais brancas do senhor Albuquerque dentro.

__Né isso? Fazer o quê? Rico é assim mesmo. Trocam de roupas e sujam louça com uma facilidade impressionante.


Afirma e eu aceno um tchau. Pego minhas coisas e meu crachá. Argh! Que diarista precisa de crachá? Eu! Pelo menos é o que os meus patrões acham. Tudo pela segurança deles.

Passo pela porta dos fundos, designada aos funcionários e logo me vejo na rua. O vento está úmido demais.

__Vai chover.

Esse lado da cidade é quase que sem vida. O condomínio onde estou é um dos mais conceituados da cidade. Passo rápido pelos portes de iluminação até chegar a portaria. Mostro meu crachá para um dos doze vigias noturnos e saio.

__Liberdade outra vez.

Abro os braços para abraçar a noite cinzenta sobre minha cabeça. São quase nove da noite e meu ponto de ônibus é daqui à sete quadras.

__Uma boa caminhada.

Vou o mais rápido que minhas pernas conseguem ir. Odeio o fato de ter 1,65 metro de altura, queria ter a altura das modelos...1,70 metros pelo menos. Aperto a bolsa gasta contra o peito e quanto mais me aproximo do ponto de ônibus mais minha alegria aumenta.

__Que saudades do meu bloquinho de alvenaria... meu sofá-cama e meu rádio...

Suspiro. Sim, eu falo sozinha o tempo todo, é um mal que não pretendo reparar, pois sou sozinha desde que me entendo por gente.

__Se é que eu seja considerada como tal hoje...

Avisto o ponto de ônibus, cheguei tão rápido e nem notei que as ruas estão desertas. Mas elas sempre são desertas e nunca aconteceu nada de mal comigo durante esses cinco anos que vivo por conta própria.

Vejo que tem apenas três pessoas na parada e estão estranhamente de pés e calados. Dois homens e uma mulher loira pelo que me permito observar, sem ser mal educada, ao me aproximar mais. Respiro fundo e sento no banco para esperar meu ônibus. Vejo que são pessoas chiques demais para utilizarem transporte público. Essas roupas que usam são de marca.

Sei disso pois é o que eu mais vejo durante meus dias. De domingo a domingo. Suspiro cansada e abro a bolsa para pegar minha barra de cereais nada gostosa, é a mais barata que encontrei por isso é ruim. Abro fazendo um chiado e me encolho esperando os olhares curiosos sobre mim mais eles não vem. As pessoas continuam inalteradas e impassíveis.

__Será que ao menos respiram?

Falo sozinha e depois tapo a boca. Mas nem assim eles me olham. Dou de ombros e mordo minha deliciosa barrinha. Até os carros estão escassos hoje e começou uma fina garoa que me arrepia toda. Esfrego os braços em busca de atrito e me pergunto se essas estátuas aí não sentem frio.

Um carro preto aparece no meu campo de visão, faróis apagados e está muito abaixo da velocidade exigida na pista: 60km/h.

A mulher se mexe enfim e os outros fazem o mesmo. Ah, estão com medo do carro preto? Deve ser. Eu nem ligo, não é meu ônibus e Deus está me guardando tenho absoluta certeza. O carro se aproxima mais e a mulher me olha com seus enormes olhos verdes brilhantes e eu só escuto um plok. Algo quente e viscoso espira em meu rosto, ouço mais dois plok quando passo a mão no olho para me livrar da coisa gosmenta, procuro a mulher.

Dante : A história de um assassino (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora