A barraca dos salgados

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13 de abril de 2017
10:43hrs

Daisy

__Como eu mancharia isso se não foi eu quem usou? Eu não bebo vinho, senhora Albuquerque.

Me defendo da falsa acusação dessa mulher, que me olha com desconfiança enquanto segura uma de suas blusas de seda branca onde umas manchinhas de vinho se encontra.

Sua tese é de que eu, que acabei de pegar de tirar as roupas do cesto, foi quem manchou a blusa e como consequência ela insiste querer descontar do meu dinheiro.

__Hum...vocês criadas adoram dar uma de espertinhas, sugam nosso dinheiro com uma diária caríssima e ainda estragam nossas roupas.

A não, assim já é demais. Me chamou de criada e de sanguessuga! Vou lembrá-la de quem manchou essa roupa.

__Se me permite, senhora, eu gostaria de lembrá-la da noite quente de sábado passado, onde a senhora foi a uma festa e me pediu para esperar que chegasse, esperei até as onze da noite que foi quando a senhora e seu marido chegaram, bêbados e com uma garrafa de Malbec e duas taças. Lembro-me muito bem de seu marido subir e a senhora vir até mim enchendo a sua taça com o resto do vinho, em seu estado super-relaxado, a taça escorregou da sua mão e pingos de vinho pousaram em sua blusa de seda branca, essa aí mesma que a senhora aperta agora, a ajudei e a levei para a porta de seu quarto e seu marido me pagou, então eu fui embora. Lembra-se disso? É provável que não...

Esclareço e a vejo empalidecer. Help god! Ninguém me chamará de mentirosa e sanguessuga, não mesmo.

A senhora Lauriana empina o queixo fino e mira seus olhos verdes esmeralda em mim com ultraje. Aperto com força meu dedo mindinho da mão esquerda com a direita.

__Não me acuse! Você pode muito bem estar mudando os fatos para se safar! Vou deixar passar desta vez, mas a próxima você não me escapa!

É só a senhora não beber tanto!

__E eu bebo o quanto quiser, isso não é da sua conta, garota!

Droga! Esqueci da tapar minha boca descontrolada. Ergo as mãos em rendimento e ela se vira e sai da lavanderia toda altiva e dona de si. Suspiro e peço a Deus paciência.

__Poderia ao menos se responsabilizar pelos próprios atos...

Pego a blusa que a madame jogou no chão ao sair. A ponho em uma bacia vazia enchendo-a com água e vou até a cozinha pegar um pouquinho de vinagre. Volto e o ponho na água, jogo a blusa lá dentro e começo a esfregar as manchas. Ao poucos vão saindo deixando apenas uma sobra rosada que tiro com o sabão da embalagem rosa e começo a lavar a blusa com delicadeza, nem as minhas eu lavo assim.

Dez minutos depois a blusa está como nova novamente. Lavo o resto das roupas, e isso me toma a parte da manhã inteira. Ao meio dia enquanto os patrões almoçam eu vou até o térreo para limpar os sapatos deles.

Agilizo a maior parte do trabalho e espero a Corini chegar, ela e a outra diarista que também trabalha aqui por parte da noite cuidando das crianças, Sophie de cinco anos e Matteo de treze, dos Albuquerque e limpando o que falta. São criancas um tanto mesquinhas e fúteis. Superficiais. Parece que nasceram sem a doçura característica das crianças. Chamam Corini de babá ou empregada.

Eu tenho a sorte de não vê-los. Já que fazem uma série de coisas. Saem de manhã para escola de tempo integral, lá fazem de tudo. Tadinhos. Passam o dia fora e quando chegam os pais os ignoram completamente. São crianças negligenciadas.

A tarde passa e Corini chega as 18:12hrs.

__Muito trabalho, Zy?

Pergunta quando me encontra na cozinha limpando a dispensa.
Corini é uma mulher linda, curvilínea e gordinha, um amor de pessoa e muito dedicada, tem vinte e seis anos e parou no segundo semestre da faculdade de engenharia.

__Não muito, Cory. Só não deu tempo de limpar a geladeira e dobrar as roupas secas, são poucas. Fiz o máximo que pude para você não se cansar tanto.

Olho seus olhos amendoados em seu rostinho redondo. Cory tem asma alérgica. Por isso faço tudo o que envolve pó e produtos de limpeza. Ela sorri pra mim e me sinto melhor com esse sorriso.

__Não se preocupe, amiga, trouxe minha bombinha e meu antialérgico.--Ela bate na bolsa beje que carrega.--Eles ainda não chegaram da natação? Acaba as dezoito horas hoje...--Faço que não.

__Não. Bem, já terminei e já estou indo, só vou passar na caixinha antes.--Me despeço com um curto abraço.

__Até segunda, Zy.

Arrumo tudo e passo na caixinha que fica em cima da mesa de vidro azul da sala. Abro e pego o envelope com meu nome e confiro. Tudo certo.

Passo pela porta dos fundos e ao longe vejo as crianças chegaram no carro preto. O ar quase noturno me sauda e alegra, embora deva estar fazendo uns 21°C. Saio do condomínio mostrando meu crachá e vou andando até o ponto de ônibus. Depois de passar quase duas horas sendo espremida, apertada e balançada eu desço em minha parada.

Já tenho um lugar certo para ir hoje. Ando um pouco e logo vejo a iluminação da barraca de lona vermelha e braca; bonita e organizada, a estufa repleta de salgados quentinhos, mesinhas e banquinhos espalhados na frente da barraca onde muitas pessoas comem, inclusive eu.

Me aproximo já separado os dez reais na mão e ouço a voz grave e carismática de Jonas, o dono da barraca e as mãos que fazem os deliciosos salgados.

__Ei, Deisy! Estava esperando você, já até separei o seu. O de sempre.

Jonas abre seu famoso sorriso largo e brilhante em minha direção, seus olhos prata brilham ao me ver, o cabelo castanho se agita com o movimento brusco que ele faz, o peito parece se inflar e as palavras soam mais doces. Esse é o problema de se ser um pouco mais atenciosa e gentil com as pessoas, homens principalmente: Eles querem algo mais íntimo. E esse é problema do jovem Jonas, quer o que eu não posso lhe dar. Não sirvo para o amor, me contento com o de Deus e só...pelo menos é o que me esforço para aparentar.

__Olá, Jonas. Obrigada.

Agradeço e sorrio sem mostrar os dentes. Ele me estende um saquinho de papel pardo contendo meu salgado. Pego e lhe dou o dinheiro. Sua cara de encantamento logo murcha.

__Já disse que não precisa pagar.

__E eu já lhe disse que isso é injustiça. Vou deixar aqui. Pegue porque eu já estou indo, até a próxima sexta, Jonas.

Me despeço pondo o dinheiro na bancada da barraca. Relutantemente ele o pega e eu dou as costa para o moreno encorpado e atlético. Vou andando com calma, apreciando esse ar, meio poluído pela fumaça dos cigarros dos fumantes ali, mas ainda sim é ar.

Chego ao meu bloquinho de alvenaria, empurro a porta e entro. Tranco tudo e me permito ser eu mesma, sem olhares reprovadores, sem gestos de desdém, sem palavras obscenas e nem atitudes moralistas.

_Sou só eu.

Jogo a bolsa na mesinha junto com o saquinho. E vou conquistando minha liberdade, tirando a roupa. Ligo o rádio na minha estação sincronizada de clássicos e sento para comer.

__Adoro coxinha...ainda mais essa de puro parmesão.

Mordo sem piedade ou pena da coitada. O cheiro de queijo se espalha no ar e me deixa faminta. A explosão de sabores é fenomenal. Derramo o suco de maracujá no copo.

Termino e vou tomar um banho gelado, já que não tenho chuveiro elétrico ou água quente. De banho tomado eu vou me deitar. Pego o livro da vez.

__Vamos ver o que O morro dos ventos uivantes tem pra mim, como se eu já não soubesse...

E me perco na paisagem bucólica relatadas no livro e os terrores da casa onde o senhor Lockwood está como visita. O tempo passa e o sono chega. Amanhã tenho que repelir um certo senhor O'Malley e rebater suas excêntricas propostas.

Apago a luz e me cubro até o pescoço. Essa mesmisse, essa rotina cansaria e fadigaria muitas pessoas mas eu não. Gosto da mesmisse e da minha vida.

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Bjjss e continua...

Dante : A história de um assassino (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora