3.Novas cartas

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Uma noite, eu entrei no trailer depois de gravar, e todas as minhas correspondências estavam espalhadas. O Andy ás vezes fazia isso de brincadeira, um gesto enciumado da quantidade de cartas de fãs que eu recebia e as "poucas" que ele recebia. Normalmente, eu não ligava, até mesmo que ele pegasse algumas delas e escondesse no próprio trailer. Mas eu esperava receber mais cartas dela, e não queria que ninguém soubesse. Não deliberadamente, mas eu realmente nem pensava em contar a respeito daquilo para alguém. Lógico que assim que vi a bagunça das cartas espalhadas pelo trailer, ao invés de rir como antes e simplesmente esperar o momento certo para dar o troco, corri para a cama nos fundos do trailer. Estavam lá, as cartas. Exatamente onde deixei. A brincadeira de Andy não foi tão longe quanto eu temia que fosse. Mesmo assim, corri para o trailer dele em seguida.

Lembro que foi ridículo. Eu soquei a porta dele como se fosse uma emergência, e eu sentia como se fosse. Parecia um adolescente. Ridículo.

- Jesus Cristo, Normy, o que foi? - perguntou quando destrancou a porta.

- Onde estão??? - respondi, quase que o empurrando para entrar. Encontrei a caixa que estava faltando, e sem dar mais explicações, sentei no chão e comecei a tirar todas as cartas, uma por uma.

Mas não havia nenhuma carta nova. Não dela. Coloquei a caixa debaixo do braço e saí do trailer.

- Normy, o que foi, cara? Era só uma brincadeira...

- Eu sei cara, não esquenta, depois eu te explico - disse enquanto saía de lá. Eu poderia dar mais explicações, mas não queria. Só queria voltar para o trailer e voltar a ler.

Quem sabe se eu procurasse com calma, encontraria mais cartas.

Mas não teve mais.

Se com um único gesto, eu tivesse apenas colocado aquela primeira carta na caixa com as outras, tudo seria diferente, certo?

Ainda bem que eu abri e li aquela primeira carta. E todas as outras que chegavam.

O que me incomodava era o fato de não ter nenhum aviso. Nunca sabia quando poderia esperar chegar uma carta nova dela. Ás vezes, meses se passavam sem nenhuma carta. De repente, aparecia de novo, e a primeira frase já dizia algo como "desculpe a demora, mas estive sem novidades para contar", ou "demorei para escrever de novo porque tantas coisas têm acontecido que eu mal tive tempo de escrever. Quando pensava em começar a escrever, acabava percebendo que depois de uma linha escrita, não aguentava mais ficar de olhos abertos.".

Ela ainda vivia naquela cidadezinha que odiava, ainda detestava viver lá, mas claro que ainda amava o filho o suficiente para suportar tudo.

Algumas coisas haviam mudado, e eu gostei de saber que ela estava aos poucos voltando a trabalhar como tradutora, o que a ajudava a se manter um pouco mais. Passava os finais de semana na casa da mãe, em São Paulo, e voltava às segundas para a casa do ex. O trabalho era pesado, pois se alternava em cuidar do filho, da casa e trabalhava na frente do computador todas as noites, traduzindo livros que se perguntava "quem em sã consciência pagaria para ler algo assim?" como ela dizia. Em outra carta, ela escreveu melancólica, relembrando alguns problemas no passado que a incomodavam.


As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora