40. As melhores mães do mundo

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(Espero que ela não me odeie. Encontrei esse relato em um caderno que Ally sempre deixa em cima da mesa. A folha estava solta, e a descrição parece ser mais fiel. Não brigue comigo, Shoo!)

"Apesar da pequena mudança de cenário, a nossa tradição continuava. De uma cozinha em uma casa de fundos numa cidadezinha próxima de São Paulo, estávamos agora em uma cozinha maior, com bancada americana de um apartamento de cobertura em NY. Dois salves para o aquecimento central, senão congelaríamos.

Ás vezes, principalmente durante o inverno e os meses mais frios de transição, sentia saudades do calor que tanto odiava no Brasil. Aumentava o termostato para ter uma pequena lembrança de casa. A outra lembrança que eu não abria mão era o café.

O café americano não dava pra mim; era insuportável. Parecia apenas água quente e açúcar. Fiz questão de comprar na Little Brazil o bom e velho café tupiniquim, o "negão forte, gostoso e encorpado".

A rádio começou a tocar "Runaway" de Del Shannon, e como amo essa música, peguei o pequeno no colo, balançando-o junto da música. Ele adorava que eu o girava no meu colo. Como eu sentia saudades de dançar.

Infelizmente o dono da casa não dançava. Era absurdamente desajeitado.

E estava ali, no batente que separava o corredor dos quartos, com uma camiseta branca e uma calça de moletom. Os cabelos desgrenhados e os olhos que já era puxados, mais sonolentos ainda.

Não o vi tão rápido, estava há algum tempo dançando com o pequeno.

"Por favor, não parem, não por minha causa!"

Ele disse com os braços cruzados e um sorriso torto.

"Só se você nos acompanhar," disse, estendendo a mão.

"Não - eu sou péssimo nisso, você não fa..."

"Apenas vem, eu te mostro" disse, puxando ele com uma mão e o Ian colaborou estendendo o bracinho gorducho.

"Vamos fazer um sanduíche com esse rapazinho..." disse, puxando seu braço em volta da minha cintura. "Apenas olha nos meus olhos, e esquece os pés...", e então dei pequenos passos mostrando o compasso simples. O passo para a frente, centro, atrás com o pé direito seguido do mesmo com o pé esquerdo.

"Até que não é difícil, mas tenho que contar..."

"Não tem que contar nada, apenas faça, seu tonto!"

Ele sorriu...."ainda é cedo demais pra isso..." ele disse, com o rosto ficando vermelho.

"Você bem que podia me ensinar a sambar, deve ser mais fácil" ele disse se soltando do meu braço dando um pequeno giro.

"Ah, Norman, pra aprender a sambar você escolheu a brasileira errada, Shoo..."...eu odiava samba. Sabia sambar, mas jamais contaria para ele, pelo risco de ter que ouvir samba o dia todo, e eu odiava.

Continuei fazendo meu café, e dei um pequeno pãozinho para o Ian. Coloquei-o sentado na pequena cadeirinha de plástico, enquanto ele lambia a manteiga do pão.

"Você acordou cedo hoje, Shoo....foi culpa minha? A música estava alta?"

"Não, nem um pouco. Eu costumo ouvir do quarto, toda vez que você acorda. Mas hoje eu estava mais curioso, não quis ficar deitado tentando imaginar o que vocês dois estavam aprontando."

"Vai querer café?"

"Essa mancha de petróleo?"

"Sim, a melhor mancha de petróleo do mundo....quer?"

"Com certeza...depois que você veio pra cá nunca mais tive sono..."

Eu sorri e separei a caneca dele.

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora