24. A Pequena Casa no Meio do Nada

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Durante os primeiros dias que passei com ela, me sentia às vezes, de uma forma divertida como se estivesse em cativeiro.

Passávamos o dia com o Ian, me lembro que ela pegava no jardim bacias e enchia de água e espalhava pelo chão do jardim. Se sentava no chão com o filho, e observávamos mais entretidos que o próprio garoto enquanto ele pegava folhas do chão, flores e colocava nos baldes de água.

- De fato, crianças são pequenos cientistas natos. - ela disse uma vez, sentada no chão debaixo do Sol que ardia. Era engraçado, não sei se era como eu me sentia ou ela que fazia me sentir assim, era como se eu morasse ali há anos. Mais fácil que me apaixonar por ela, foi me apaixonar pelo Ian. Era um menininho branquinho, sorridente que tinha os olhos castanhos e amendoados como os dela, e que sorria fácil. Quando o Sol começava a subir mais alto, ela entrava na cozinha, e eu ficava com ele, levava para colher amoras do jardim, e mostrava para ele como a água mudava de cor quando esmagava uma amora dentro do balde. Ele ficou impressionado e recolhia as amoras do chão e me trazia para esmaga-las dentro do balde.

Enquanto isso, ela estava na cozinha, preparando o almoço. Pode ser errado da minha parte, mas eu não perguntei para ela, não lembrei de perguntar se estava sendo algum problema eu ficar lá. Mas ela nunca disse nada também. Agia como se eu já fizesse parte de lá há anos. A única coisa engraçada era que ela deixava que eu fizesse qualquer coisa na casa, mas nunca entrei naquela cozinha sozinho. Ela sempre vinha atrás.

- O que você quer aqui? Quer comer alguma coisa? Deve ter na geladeira alguma coisa pronta.

Mas nunca, NUNCA deixou que eu fritasse um ovo. Pensei que fosse algum tipo de ciúme que ela tivesse da própria cozinha, por mais estranho que pareça. Mas não era. O fogão era muito antigo, e quando ela cozinhava ali ela já sabia ficar de olho na válvula do gás, que ás vezes se soltava. Soube disso apenas alguns anos depois.

De qualquer maneira, ela depois vinha, lavava as mãos do Ian e o colocava numa cadeira ao seu lado, e servia o almoço para ele. Eu me sentava do outro lado da mesa, na cozinha mesmo. Era muito estranho, termos esses dias "em família". Me perguntava como deveria ser para ela quando estava sozinha.

Normalmente depois de almoçar, ela levava o Ian para o quarto, ficava com ele lá dentro por alguns minutos e depois saía quando ele dormia. Eu sentava no sofá da sala, pegava o celular e esperava. Ás vezes ouvia ela conversando com o filho, cantando músicas para ele.

Enquanto ele dormia, nos sentávamos na rede do jardim, conversávamos, transávamos algumas vezes, ou ela apenas deitava no meu colo e ficávamos em silêncio. Depois quando ele acordava, era outro round de brincadeiras no jardim, ou ela colocava algum desenho para ele, e se sentava na escrivaninha da sala com o notebook e trabalhava. Pode parecer que eu virava um espectador que sobrava naquela casa onde a rotina era toda programada naturalmente, mas não...eu gostava de ficar sentado, pegava o celular, ou então, apenas observava eles dois. Não chegava a ficar entediado. Gostava de estar lá com eles. Aquela sensação estranha de pertencer a um lugar onde nunca estive antes.

De noite, depois de jantarmos, ela colocava o Ian para dormir de novo, e depois ficávamos juntos até tarde da noite. Uma vez ela disse para eu esperar ali, e saiu....voltou com algumas cervejas.

- Já que não podemos sair, o jeito é festejarmos aqui mesmo - ela disse, enquanto colocava as cervejas na geladeira e me servia uma.

- Tem certeza que não vamos acordar o Ian?

- Não, agora ele só acorda de manhã.

Ficamos bebendo, ouvindo música e conversando até de madrugada.

Foram dias bem simples, não havia muito o que fazer, e não queria arriscar sair por aí e acabar criando confusão para ela. Se eu fosse reconhecido em algum lugar poderia ser bem problemático.

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora