25. Uma noite no teatro

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Depois de alguns minutos, ela voltou para a varanda.

- Você...quer ficar aqui, ou voltar para casa? Está anoitecendo, e podemos fazer qualquer coisa.

- Qualquer coisa?

- Sim. Acabei de falar com a minha mãe, e ela disse que se quisermos sair para algum lugar, ela fica com o Ian esta noite. Ficou meio incomodada que ficamos em casa esses dias todos.

- Ela sabia que eu estava lá?

- Lógico que sabia. Não tem nada que ela não saiba....bom...algumas coisas, ela não sabe...

- E para onde poderíamos ir sem sermos incomodados?

- Eu sei de um lugar, se você quiser...

- o teatro?

- Sim. É o melhor lugar. Ficamos fechados lá, só quem conhece fica lá dentro...é relativamente tranquilo.

- Relativamente?

- Muita gente bêbada fechada num lugar só...não se pode esperar um mar de tranquilidade...

- Mas e quanto...você sabe...como faríamos?

- Eu posso ligar pro Marco e explicar a situação toda. - ela disse enquanto me abraçava. - Explico pra ele que tem uma celebridade internacional ou qualquer coisa que o valha a caminho, e precisaríamos de uma garantia a mais de que seria mais tranquilo...ninguém falaria nem tiraria fotos.

- Isso já é bem interessante...

- Então...o que acha?

- Por mim, tudo bem...vai ser interessante, até...faz tempo que não vou a um teatro...não assim, pelo menos.

Eu estava um pouco apreensivo, mas na verdade estava bem empolgado com a ideia. Ainda lembrava da carta em que ela contava que passou a madrugada inteira lá, bebendo e conversando. Desconfio que tinha visto uma foto que deveria ser com o tal Marco, o amigo dela que ela passou a madrugada deitada no colo, conversando em uma das vezes que ela deixou o Instagram aberto. De qualquer maneira, parecia ser um lugar legal.

Ela voltou empolgada, e disse que estava feito. Felizmente naquele dia não teve nenhuma peça, e só as pessoas mais próximas estariam lá.

De qualquer maneira, ia ser legal fazer uma pequena loucura pra variar um pouco. O Ian estava dormindo, a mãe dela insistia que ela precisava mesmo sair e se divertir um pouco, e estávamos assegurados que teríamos privacidade para nós dois, e anonimato, o que era o mais importante.

Era um lugar pequeno. o bar era um pouco mais que o corredor da entrada até os fundos onde havia o teatro, que estava fechado. Ela ligou para o amigo dela, o tal do Marco, e avisou que chegamos. Deixamos o carro do outro lado da rua e entramos, depois que ela tocou o interfone.

- É bastante escondido esse lugar, não?

- Sim...a ideia é essa mesmo...

Uma moça abriu a pequena porta de metal e nos recebeu com um sorriso enorme, e ela e Ally se abraçaram.

- Que saudades de você, quase não te vemos mais!

- Eu sei, mas anda complicado pra mim....morro de saudades de vocês! Norman, essa é a Clara.

Eu a cumprimentei, e foi reconfortante ser recebido sem estardalhaço. Ela me abraçou e disse "bem vindo" como cumprimentaria a qualquer um.

Entramos, com Ally me puxando pela mão ao longo do corredor. Onde terminava o balcão havia um piano, encostado em uma escada que dava para o mezanino, e perpendicular ao piano, um sofá encostado na parede e algumas poltronas. Debaixo da escada, livros e mais livros eram colocados enfileirados por um rapaz.

- Aquele é o Maurício, ele montou essa pequena livraria. É a única livraria que abre de madrugada, creio.

Ele veio e a cumprimentou com um abraço. Era um cara alto e magro, de cabelos curtos e negros, olhar sério. Mas a abraçou com carinho e me recebeu também com a mesma consideração. Eu olhava ao redor, e saiu do banheiro à frente da escada um cara com por volta de 50 anos, cabelos grisalhos, óculos escuros. Não pude evitar um certo desconforto. Era o tal Marco. Não lembro se pensei alguma coisa, mas lembro que me senti desconfortável. Era um ciúme sim, e dos mais bobos. Mas veja bem...eu levei meses para conseguir vir ficar com ela, e ele...bem, ela ia até lá e deitava no colo dele quando bem quisesse, não que justifique, mas senti um tipo estranho de inveja.

Ele a viu e sorriu um sorriso meio triste, estranho.

- Alê, tudo bem, menina? - ele disse enquanto a abraçava. Ela retribuiu o abraço longamente. E aí que o ciúme, inveja ou o que fosse abrandou em mim. Ora, ela tinha uma amizade enorme por ele, e ele obviamente, a via mesmo como uma "menina". Entendi ali que era o jeito que ela tinha com as pessoas. Claro, alguém poderia entender mal, mas era bem visível que ele não.

Só me parecia que ele não fazia a menor ideia de quem era ela de fato. Ficamos por boa parte da noite sentados conversando com ele. Ela contava as coisas que estava fazendo, a pós graduação e as traduções em que estava trabalhando, e ele ficava feliz e admirado, mas parecia que não via tudo que ela era capaz. Mas mesmo assim, era com um certo carinho. Ele devia ver ela mesmo como uma "menina".

Fiquei sentado ao lado dela, o Marco do outro lado, no sofá. As cervejas vinham para a mesa sem sequer pedirmos. Chegavam cada vez mais pessoas, algumas vinham e cumprimentavam o Marco, e depois puxavam a Ally para abraça-la, algumas amigas até soltavam gritinhos estranhos. Ela por sua vez, me apresentou a todos. Em um certo momento, uma amiga dela chegou. Ouvi de longe, mas não entendia o que ela dizia. Depois a Ally traduziu pra mim e o que a amiga dela disse foi:

- Me disseram que a Ale está aqui hoje, cadê você??? Ah, sua bandida! Como você não me avisa que vinha? - e estendeu os braços para ela. Ela disparou para abraçar essa amiga. Apesar de estar conversando com o Marco, sabe aquela conversa casual de homens, de onde você é, além da série, como está o lance de fotografia, e ele contou algumas peças que estava escrevendo, nada muito profundo. Mesmo assim, enquanto conversávamos, não perdia a chance de ver ela com as pessoas. Ela era muito querida pela maioria das pessoas que estavam ali.

Me perguntei por quê, se era tão bem-vinda, ela frequentava tão pouco.

Essa amiga dela, Simone, se apresentou a mim brevemente e pediu desculpas, mas precisava falar com ela em particular. Não tinha por que pedir desculpas, eu era convidado ali.

Elas foram para o outro lado do corredor, e podia ver que estavam felizes em se ver. Depois de um tempo ela voltou com a Simone, e claro, abrimos espaço para mais duas pessoas. 

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora