20. Meses a distância

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Durante um bom tempo alternávamos conversas via Skype, mensagens de WhatsApp e algumas cartas. As cartas ainda eram particularmente longas. Eu ainda as guardava e ainda respondia algumas às vezes. Talvez tenha virado um hábito. Era curioso ver como ela ás vezes me mandava mensagens bem humoradas, contava de seu dia no WhatsApp com toques daquele humor ácido e rápido, e depois escrevia cartas com pensamentos e descobertas na maioria das vezes, melancólicos.

Mesmo assim, eu sempre que podia, respondia as cartas. Outras vezes, principalmente quando estava no trailer depois de gravar durante a noite, chamava ela no Skype. Quando não havia caído no sono junto com o filho, atendia, e eu adorava quando ela aparecia na tela do meu celular, os olhos já implorando por uma noite de sono, muitas vezes o cabelo preso e desarrumado, uma camiseta ou blusa. Ela sempre foi a pessoa mais autêntica que já vi, desde o momento em que se sentou à minha frente no bar do hotel, depois se jogou no sofá do quarto, jogando os sapatos o mais longe que podia.

E seguimos assim. Estranhamente, não falava sobre ela vir até aqui, mas pensava muito em ir até lá. Não falava nada a respeito, porque com certeza ela ficaria preocupada, e ia querer fazer todo tipo de plano para antecipar tudo que pudesse. Era só o jeito dela.

Eu estava de folga, e tinha voltado para NY. Ela estava cada vez melhor, dizia que era graças ao trabalho da Com que abriu portas para ela, mas eu sabia que não era só isso. Ela sempre foi muito boa em tudo que faz, não faz nada sem se dedicar completamente. Aos poucos, aparecia cada vez mais trabalho. Mas mesmo assim, sempre que estava em casa trabalhando, às vezes deixava o Skype ligado, e nos falávamos com cada vez mais frequência. Algumas vezes ela estava tão concentrada no trabalho que eu acabava por algum tempo apenas observando enquanto ela estava trabalhando, principalmente durante a noite, enquanto o Ian dormia, ela aproveitava para adiantar o trabalho, ou estudar.

Em uma dessas vezes, estávamos conversando, quando ela ficou presa concentrada em alguma coisa que estava lendo. Depois de alguns minutos observando ela pela webcam, os olhos dela que estavam fixos na tela enquanto lia subiram e olharam direto para a câmera. Os olhos dela arregalaram, enquanto eu estava deitado no sofá com o meu laptop no colo assistindo ela.

- Se distraiu de novo?

Ela riu, cobrindo o rosto com as mãos.

- Desculpa, Norm....

- Você precisa descansar um pouco...

- Eu sei, eu sei... - ela respondeu enquanto esfregava os olhos com a palma das mãos. Sorriu para mim. - Você não se sente um pouco pervertido me olhando assim enquanto eu tô trabalhando?

- Um pouco, sim...eu gosto de ficar assistindo assim....se fosse pessoalmente ficaria mais estranho ainda.

Ela riu, parecia constrangida, mas mesmo assim, eu gostava de olhar ela. Ouvi um choro ao fundo, os olhos dela se arregalaram e deslocaram para o lado, como se fosse um filme de terror e um fantasma estivesse se aproximando dela por trás.

- Aaaaah, puta que pariu!!! - Resmungou, enquanto cobria os olhos com as mãos. Não pude evitar rir alto pela espontaneidade do momento.

- Vai lá ver o garoto...

- Não sobrou muita escolha, né....

- Nos falamos amanhã...acho que vou dormir um pouco também.

Ela sorriu, e se levantou, mandando um beijinho rápido. Ela se levantou e foi para o quarto, fiquei observando até ela desaparecer no corredor, entrando no quarto.

Lembro que naquele dia me deitei, mas não conseguia dormir. Todas as Cons já haviam passado, e todas as entrevistas e fotos agendadas já estavam feitas. Claro que ainda tinha bastante coisa a fazer, principalmente da produtora. Estava negociando uma exposição e também um filme que faria enquanto estivesse gravando a série, nos arredores de Atlanta.

Apesar de ainda ter bastante trabalho a cumprir, não havia nada que fosse de muita urgência. O meu filho, Mingus estava de férias viajando com a mãe, e estávamos apenas eu e o meu gato em casa. Por que não? Já havia ido até lá uma vez. Não me custaria nada aparecer lá novamente.

O pensamento ia e voltava. Por um lado era loucura. Por outro... eu podia sim. Por que não, afinal? Era relativamente fácil passar desapercebido pela cidade, se eu tomasse alguns cuidados a mais.

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora