Continuamos conversando apenas nessas conversas pela madrugada. Alguns dias não nos falávamos mais de "bom dia" e "boa noite", faltava tempo, e não era incomum estarmos conversando, principalmente no WhatsApp e de repente, ela sumir, por conta do cansaço, ou eu. A única diferença é que eu estava exausto só pelo trabalho, que não era pouca coisa, ela acabava exausta depois de levar o filho na creche, voltar, estudar e trabalhar, buscar o filho e cuidar dele, e depois estudar ou trabalhar mais um pouco enquanto conversávamos.
Nunca foi um problema para mim, desconfio que também não era para ela. Mas depois de algum tempo, parecíamos mais com um belo casal de bons amigos do que qualquer outra coisa.
E eu queria vê-la de novo. Todos esses dias destes meses, eu queria vê-la, mas entendia que não seria fácil para ela vir até mim, e eu também estava atarefado para ir até lá. Mas agora havia uma pequena folga.
Uma noite estávamos conversando, e mais uma vez estava ela exausta, cansada. Podia ver pela câmera que ela estava abatida e cansada.
- Ally...vai dormir, você mal consegue falar...
- Não, tudo bem, acho que aguento mais um pouco...mais duas páginas e eu termino tudo aqui.
- Eu sei, mas...você está um trapinho...desculpa, mas é verdade...
Ela riu a risada mais cansada que já vi na vida.
- Ah...certo...tem razão...amanhã cedo ainda tem outro round me esperando...
- Eu sei...foi nisso que eu pensei...
- Sabe o que é foda?
- O que?
Ela hesitou um pouco para falar. Eu estava começando a ficar preocupado.
- O que é foda, Ally?
- É meio ridículo... - ela disse sorrindo enquanto esfregava os olhos com a palma das mãos. Desceu as duas mãos pelo rosto - ... eu não sei falar essas coisas...
- Falar o que?
- Desde quando começamos....isso...sempre que durmo é porque uma hora o cansaço cobra seu preço...mas sinto sua falta, sabe?
- O que tem de ridículo nisso?
- Não sei o que, mas tem algo de ridículo nisso sim...fico pensando em como seria bom se você estivesse aqui, e dormíssemos na mesma cama...acho que a lembrança que tenho de você ao vivo não deve nem ser real mais a essa altura...
- Ás vezes penso a mesma coisa...não deve ser tão ridículo assim, então...
Ela apenas sorriu, os olhos tão pesados que mal conseguia abri-los.
- Eu vou pensar em algo, vou dar um jeito de resolvermos essa saudade...ou você acha que também não penso em você? Falando com você todo dia?
- Talvez a gente consiga pensar em algo juntos...só que agora acho que não sei nem o meu nome...
- Vai descansar, Ally...eu vou pensar em algo...
Ela se despediu brevemente e foi dormir. Devia estar mesmo exausta naquele dia, porque nem sequer desligou o notebook.
Dia seguinte, enquanto estava na produtora, assinando algumas das impressões novas que já estavam compradas e só faltava encaminhar para o correio, liguei para a Jo, minha RP. Expliquei para ela a situação toda, e como sempre, ela agiu com rapidez e logo conseguiu uma passagem para São Paulo na noite seguinte. Doze horas de viagem. Ela insistiu que eu providenciasse um carro para me levar até a casa dela, mas eu já tinha alguns planos feitos. Durante aquela noite eu conversei com ela apenas pelo WhatsApp, perguntei sobre os planos dela para o dia seguinte sem insinuar nada. Eu estava decidindo tudo completamente no improviso, na medida que eu podia improvisar, claro.
Já sabia que ela estaria em casa, que não tinha nenhum plano que envolvesse sair para qualquer lugar, inclusive o Ian não ia para a creche nos próximos dias por conta de algum feriado. Era Novembro, estava frio e a neve ameaçava começar a cair mais cedo em NY, e eu não via a hora de sair do frio de NY para encontrar o calor seco e poluído de São Paulo.
Hoje em dia eu lembro disso e penso que foi uma enorme loucura, mas por outro lado, já estávamos de acordo há alguns meses que nos levaríamos a sério. Aquele começo no hotel foi um começo...mal acabado. Eu achei que ela só queria se divertir com um cara relativamente famoso, e ela achava que eu só queria me divertir com uma fã. Na época não sabia ao certo, mas hoje em dia eu lembro disso e penso no quanto estávamos completamente errados a respeito um do outro nesse primeiro encontro.
Mas pessoas feridas costuma orbitar em torno de outras pessoas feridas, sempre acreditei nisso. E ela confiava em mim tanto quanto eu confiava nela. Ela tinha seus motivos para não me levar a sério tão facilmente, por mais que quisesse. Eu sei disso porque sentia o mesmo. Quando abaixamos a guarda um para o outro, esperávamos o mesmo um do outro, só não havíamos admitido ainda. Dessa vez, eu estava indo até ela de novo. E dessa vez, eu sabia de alguma forma o que esperar. Pelo menos, sabia mais do que na primeira vez que eu a vi.
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Doze horas. Doze horas de vôo. Durante doze horas, meu celular tocou, e amigos perguntavam onde eu estava, ela me mandou uma mensagem de bom dia que eu não respondi. Apenas as pessoas mais próximas sabiam onde eu estava, ou pelo menos onde eu não estava, em casa.
Não vou falar que eu estava indo tranquilo. Ainda havia dúvidas sobre como ela me receberia, se eu seria bem-vindo ou se teria que achar um jeito de ir para algum hotel de novo. Foi a maior loucura que fiz.
Por sorte, pelo menos no aeroporto eu estava seguro. Lembro de descer do avião por último, depois que todos já haviam descido, e felizmente haviam poucos passageiros, e eu estava desapercebido. Havia uma equipe da companhia aérea avisada de que eu estaria lá e que garantiriam a minha discrição. Desci do avião, uma lufada de ar quente voando na minha cara. Segui para a sala vip, com uma mala enorme que logo percebi que era bobagem. Não ia precisar de 1/3 das roupas que levei naquele calor seco.
O plano era simples. Quando eu chegasse, ligaria para ela. Tinha comigo o endereço anotado, caso fosse necessário pedir um carro para me levar. Eu iria até ela mais uma vez, só que desta vez, era pra valer. Não seria uma noite, nem duas. Eu voltaria para NY só no fim das férias, tinha um pouco mais de duas semanas. Se tudo desse certo, passaria esses dias com ela. Se ela aceitasse.
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As Cartas da Problemática
FanficO que aconteceu antes de "Problemática"? Norman conta como conheceu Ally. "foi um gesto mínimo, de abrir uma carta entre milhares de outras. Outro gesto sem pensar, sem importância, que mudou tudo."