Relembrando o panorama do lado dela: Estava morando com a mãe, livre do ex-marido que agora estava prestes a se casar com outra, e a mãe dela sempre se oferecia para ajudar com o Ian enquanto ela retomava o seu mestrado e voltava a trabalhar, em uma pequena galeria da rua Oscar Freire, eu ela nos comunicávamos sempre. Na verdade, saber que ela estava oficialmente separada, sem dever mais nada ao pai do Ian facilitou muito as coisas. Já não me preocupava mais que ele pudesse perturbá-la, mesmo que ele não tivesse a intenção, era muito estranho quando ela contava que o ex a perguntava do seu relacionamento atual. E piorava ainda sabendo que ele não disfarçava os ciúmes nas poucas vezes que contava.
E como ela havia voltado a trabalhar e estava completando meu mestrado, não tinha muito tempo para deixar o ex "au paire" da sua vida pessoal. Na verdade concordamos que ela deveria falar o minimo por questão de preservar a nossa privacidade, pois a qualquer momento podia beber a mais com os amigos como de costume e acabar falando demais.
Então, quem não sabe, não tem o que dizer, e ela falava cada vez menos. Apenas o necessário a respeito do Ian.
Uma certa madrugada eu estava com disposição, e além disso, o dia seguinte estava totalmente sem compromissos, então quando o eu a chamei no Skype, eu estava super disposto a conversar até amanhecer se ela também quisesse.
Ela contou que havia terminado a monografia, e já estava encerrada, que agora era só esperar, e por mais que eu tenha sim ficado feliz por ela, não estava totalmente. E ela também não se convenceu.
- O que foi, Norm?
- Como assim? Estou feliz por você, qual o problema?
- Não duvido que você esteja feliz, mas tem algo te incomodando, que não tem nada a ver comigo, mas que está incomodando...
- Eu odeio quando você me lê assim, sabia?
- Sabia, sempre soube, e não ligo....me fala, o que tá te incomodando? Aconteceu alguma coisa ruim aí?
- Não, nada aconteceu....como vou falar sem te deixar brava...
Ela cruzou os braços e ficou encarando a tela do notebook, esperando eu falar. Agora ela sabia, o problema que estava me incomodando era com ela, e não tinha como não entrar na defensiva nessas horas.
- Sabe....é muito, MUITO legal você conseguiu sair da outra casa, conseguiu a ajuda da sua mãe com o Ian, e conseguiu concluir a monografia...mas você sabe o quanto foi difícil, não sabe?
- Sim, claro que sei - disse, ainda de braços cruzados
Estava apreensivo e apoiei os cotovelos na mesa esfregando os olhos.
- Olha....você ficou esse ano inteiro que se dormiu 4 horas por noite, foi muito. Entre trocar fralda, estudar, e ir trabalhar....eu entendo que você valoriza isso, mas....se você tivesse vindo pra cá quando eu te chamei, tudo teria sido tão mais fácil....você ia ter uma rede de apoio bem maior, além de não precisar correr pela cidade acima e abaixo o dia inteiro, podia ter feito a monografia aqui em NY....porque você escolheu o caminho mais difícil, sendo que nem o reconhecimento compensa?"
Fiquei esperando ela responder algo. Podia ver na postura dela que estava brava. Podia até mesmo ler o que ela devia estar pensando. Algo como: "Como ele ousa criticar as minhas escolhas? Como ele julga se foi difícil ou não?"
- E como ia ser essa rede de apoio maravilhosa? Você ia parar de trabalhar pra ficar com o Ian o dia inteiro?
- Não, mas certamente tem bastante gente aqui que ia se dispor a me ajudar
- Sim, Norman, a ajudar você. Porque eles conhecem você. E como você acha que eu vou tentar fazer minhas coisas em outro país, onde só conheço você, e deixar meu filho com estranhos, enquanto nós dois íamos correr atrás das nossas ambições? Parece certo isso?
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As Cartas da Problemática
FanfictionO que aconteceu antes de "Problemática"? Norman conta como conheceu Ally. "foi um gesto mínimo, de abrir uma carta entre milhares de outras. Outro gesto sem pensar, sem importância, que mudou tudo."