12. "Ela é...normal"

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Chegou o dia oficial de pegar o avião e partir para São Paulo. Encontrei Sean no aeroporto. Estávamos no avião, e eu tentava me manter calmo, afinal, ainda tinha 12 longas horas de vôo pela frente.

Em uma carta recente, ela mandou um pequeno tsuru além das flores de origami que sempre mandava. "Para boa sorte", disse ela na carta, apesar de ela mesma não acreditar em sorte. Ela acreditando ou não, eu coloquei o pequeno pássaro de papel na mochila que sempre levava comigo. No celular, estava ouvindo uma playlist que montei com as músicas que ela indicava nas cartas. Era uma seleção meio maluca, exatamente como ela deveria ser. Tinha desde concertos e cameratas (Tchaikowsky, Shostakovich, Bach, Mozart e Liszt), até GG Allin & The Murder Junkies, Leonard Cohen, Léo Ferré, e algumas bandas de psychobilly que ela tanto amava, e esses favoritos ainda hoje tem bastante influência no dia a dia. Principalmente Demented Are Go, que aprendi com ela a gostar. Não que ela me desse escolha. Tem dias que ela escuta o maldito dia inteiro.

De qualquer maneira, foram 12 horas de vôo noturno, e eu estava exausto, então dormi boa parte da viagem. No desembarque havia um pequeno grupo de fãs que gritavam e choravam. Tirei foto com algumas delas, e com as crianças também. Mas mais uma vez, estava completamente distraído, esperando que ela aparecesse lá. E mais uma vez, no fundo eu sabia que ela não estaria. Ela não se deslocaria da cidade que vivia com o filho que devia ter por volta de um ano e meio para arriscar que o filho se machucasse no meio de uma multidão como aquela. Mas eu insistia que ela poderia estar lá mesmo assim.

Avançando um pouco no tempo, lembro de estar já no centro de convenções que ficava perto de uma rodovia, onde haviam pequenas baias dividindo o espaço do lugar. Estava conversando com Sean, esperando que os meus colegas que também vieram se reunissem para começarmos o painel e depois seguir para os autógrafos e sessões de fotos. E lógico que também esperávamos os intérpretes. Bem, EU esperava uma intérprete. Olhava para todos os lados e via grupos e mais grupos de pessoas conversando entre si. Mas nenhum sinal de alguma moça de cabelos verdes e tatuagens no peito e braços. Sean falava comigo sobre alguma coisa, e eu não ouvia. Mal tomava conhecimento da presença dele lá, meus olhos vasculhavam cada grupo, cada um que passava pela porta.

- Normy, cara...ela vai aparecer.

- Ela já deveria estar aqui, não?

- Deve estar. Tem muita gente e muito espaço. Ela deve estar por aqui. quer ir procura-la?

- Não, tudo bem.

- De qualquer maneira eu preciso orientá-la quando ela aparecer. Então, não é nenhum problema para mim.

- Não. Como eu disse. Está tudo bem.

Eu vou dar uma circulada ao redor. Se eu acha-la eu a trago para você.

eu rejeitei o comentário, entendendo que ele queria servi-la como se fosse um atendente de loja. Nay estava ao meu lado, e saímos para fumar um cigarro. Quando entramos de volta, lá estava ela. Estava conversando com Sean e dois outros caras. Mas para o meu choque, não havia nada de mais nela.

Estava com uma saia preta e sapatos de salto baixos, e uma camiseta branca. Protocolo do serviço. O crachá estava pendurado no pescoço, e os cabelos que eram verdes estavam pretos. Mas eu reconheci pelas tatuagens. Quais seriam as chances de alguém ter as mesmas tatuagens?

Mas ela era normal. Sério. Não vi em nenhuma parte daquela imagem algo que remetesse à maluquinha genial que me escrevia tantas cartas. Observei por alguns instantes, tentando encontrar algo que remetesse à mulher que tinha visto nas fotos, alguma faísca daquele temperamento forte e de escrita rápida, mas...nada. Não me custa admitir que essa primeira impressão foi um pouco decepcionante para mim. Ela estava ali, parada, com os braços cruzados sobre o peito, conversando com aquelas pessoas. Sean fez um sinal e eu fui até lá, já desanimado.

- Norman, essa é a Alessandra, sua intéprete.

Ela olhou para mim e sorriu, me estendendo a mão. Um sorriso fechado, meramente formal. Eu sorri de volta, mal olhando para ela, com a cabeça um pouco baixa tentando disfarçar o desapontamento.

- Prazer em conhece-lo, Sr. Reedus. - foi a única coisa que ela me disse espontaneamente. Depois, se virou e pediu mais informações sobre onde seria a baia onde ela faria as traduções, ou se seria apenas sussurrada, e o Sean a orientou. Ela agradeceu, e disse que precisava fumar um cigarro. Nay a acompanhou, e eu fiquei.

Fiquei ali, olhando, totalmente sem graça. Não sei exatamente quem eu esperava ou como imaginava que ela seria. Só que era completamente diferente.

Porém, quando fomos para o painel, ela se sentou ao meu lado, e quando começamos a fazer as sessões de perguntas e respostas, e toda a orientação foi passada, que eu finalmente encontrei quem eu imaginava encontrar. Ela se sentou ao meu lado, as pernas cruzadas, e pegou um copo com água. Em um gesto rápido, me ofereceu um copo, e sorriu. Fiz um gesto agradecendo, e ela me passou o copo, e por mais idiota que seja, quando peguei minha mão tocou a dela. Por um momento, parecia que tinha encostado na mão de um esqueleto. Ela tem dedos finos e pequenos, mal passam de uma camada fina de pele sobre os ossos. Durou alguns segundos apenas, mas quando percebi que ela me olhava com o olhar confuso, e um sorriso divertido, afastei a minha mão com o copo.

- Me desculpe, eu...

- Ora, não por isso, está tudo bem. - Ela sorriu mais um pouco e piscou. Não flertando, apenas assegurando que não se incomodava. Parei por alguns segundos olhando enquanto ela voltava a se concentrar no que um fã dizia. Escutou com toda a atenção, enquanto eu voltei a me concentrar no rapaz que estava fazendo a pergunta ao invés de olhar para o perfil dela. O nariz levemente arrebitado na ponta e os cílios longos e densos. Ela traduzia para mim as perguntas dos fãs e eu tinha que me concentrar em apenas ouvir a voz dela e manter os olhos fixos no fã que fazia as perguntas. Depois, eu respondia ainda mantendo os olhos fixos no fã enquanto ela estava olhando diretamente para mim e falava a resposta ao microfone. Parecia que todos podiam me olhar, mas eu não podia olhar para ela diretamente. Foi uma sessão longa, mas quando me acostumei, nos divertimos bastante. Sei disso porque ela mesma sorria e até mesmo olhou para baixo disfarçando a vontade de rir com alguns momentos engraçados que aconteceram naquele painel.

Depois tivemos uma pequena folga de alguns minutos enquanto organizavam as filas para autógrafos e fotos. Não a vi durante aquela folga, pelo que soube os funcionários ficavam em outro cômodo mais afastado. Mas Nay disse que esteve com ela ali, e tinha gostado dela. Disse que era muito simpática e que em boa parte do tempo na sala com os outros intérpretes ela trocava dicas e sugestões para facilitar o trabalho dos outros colegas. Realmente, ela tem uma facilidade enorme de cativar as pessoas. Eu queria poder ficar a sós com ela alguns minutos mas a correria era tanta que não pudemos. 

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora