41. No Carro

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Eu fiz de propósito. Sabia que de muitos "dons" que tenho, a dança não era um deles. É uma das poucas certezas que tenho nessa vida. Porém, desde quando ela havia enfim cedido à minha insistência para vir para cá, eu sabia que era uma das coisas que ela mais gostava: Beber e dançar. Não me custaria nada pagar esse mico por ela.

E aqueles anos em que trocávamos apenas correspondências que eu lia deitado no trailer depois de um longo dia de gravação, já estava claro para mim: naquelas cartas em que ela parecia mais feliz eram justamente as que ela contava sobre sair com os amigos e dançar a noite toda, ou quando participava de aulas e saraus de dança.

Apesar de ela ter ensinado, sem saber de seus planos, alguns passos, ainda não me sentia confiante para dançar com uma "profissional" no assunto. Ainda pior, na frente de outras pessoas. Ainda sou um cara bastante tímido apesar de brincalhão, e aquele era um desafio grande demais pra mim. Comentando a respeito com Sean alguns dias antes, ele comentou que dançava ás vezes com a noiva, e sugeriu que fossem juntos.

Bem, lá estavam os dois casais. Lembro de ver surpreso os olhos dela brilhando, ansiosa por estar em um ambiente que mesmo que fosse desconhecido, teria algo familiar a ela.

Desde quando ela chegou, fizemos poucas coisas juntos. A maioria dos bons momentos que tivemos eram em casa, quando eu chegava do trabalho. Ou os períodos de folga em que não precisava me preocupar em checar o celular a cada minuto.

Mas ela tinha o filho, e quando tinha que esperar por ele, não era como nos relacionamentos anteriores. Se é que teve um, ela nunca mencionou nenhum relacionamento depois que o Ian nasceu. Nem com o pai dele nem com ninguém. De qualquer maneira, ela não esperava ansiosa, nem ficava reclamando por estar entediada. Eu dizia que precisava ir, ela se despedia, e me recebia quando chegava. Ás vezes eu chegava tarde, e ela estava adormecida no colchão que improvisamos no chão ao lado da cama do filho. Apesar de não falar, podia presumir que no silêncio que ela ficava ás vezes, estava se lembrando com saudades de uma cerveja com os amigos e uma pista de dança.

Agora tinha a confirmação de que estava certo. A mulher que estava sentada ao meu lado no carro, rindo e brincando com Sean e Nay, olhou para mim e esticou o braço por trás do meu pescoço. Seus olhos brilhavam e ela sorria enquanto seus dedos brincavam com uma mecha de cabelo na minha nuca.

"Está pronta?", perguntei encarando-a com um desafio infantil nos olhos.

Ela sorriu como uma criança, e assentiu com a cabeça. "Perda de tempo perguntar. Vamos?"

"Apenas um momento, senhorita." disse enquanto apontava o dedo para ela.

Fez um aceno curto para Sean, que saiu, dando a volta no carro para abrir a porta para Nay. Estando apenas os dois no carro. Apoiei a mão no volante, e a outra sobre a perna dela. Não sabia como começar aquilo. Nem havia começado e já me sentia um bolha por estar fazendo aquilo. Morria de medo que ela me visse assim e odiasse. Ou risse da minha cara.

"O que foi? Nós vamos ou não?"

Olhei para ela, mas sem me virar completamente. Não era jogo. eu estava completamente sem jeito. Suspirei, respirei fundo e tentei falar em tom baixo, mas só consegui deixar minha voz rouca.

"Você está muito bonita. Sério."

Ela sorriu confusa. "Obrigada, Norm. Estou me sentindo assim também."

Olhou para cima como se estivesse procurando o que dizer. Sorri completamente sem graça. Devia estar roxo, quase explodindo de nervoso.

"Você é linda, toda arrumada como está agora, ou com o moletom e a camiseta velha, fazendo panquecas na cozinha." Olhei de novo para baixo, não por nenhum mau sentimento, mas por que não sabia o que dizer. Esqueci completamente o que havia planejado. Essas coisas nunca dão certo. Merda.

Ela me abraçou, percebi que ela estava mais feliz do que eu esperava, só com a perspectiva de passear um pouco.

"O que você tem, Norm? Pensei que estava feliz por sairmos um pouco, tudo isso foi id..."

"foi sim," interrompi. "Eu só queria...bem...aaah...eu não sei o que estou falando...Ally, eu...."

Ela soltou seu abraço, e se inclinou para trás, na porta do carro. "O que foi? O que houve?"

"Não me olha assim, não quero te assustar, não é nada ruim....é que...eu não esperava que fosse assim..."

"Assim como..." ela disse já olhando com os olhos frios esperando um baque.

Senti pelo jeito que me olhava que ela estava ficando nervosa. Ela tinha uma facilidade enorme de esperar pelo pior sempre, e eu sabia disso tão bem quanto ela mesma.

"Vem aqui," eu disse. "Não é nada de mais....é que é tudo tão novo..."

Passando o braço por trás dos ombros dela, e beijando-lhe o rosto disse depois de muito lutar para ter coragem de abrir o coração de uma vez, bolha ou não.

"Eu não sei...não sei onde que vamos parar. Não tenho um histórico bom de relacionamentos. Mas você....bom....é você, entende? Não tem um dia que eu não quero voltar pra casa e encontrar você. E eu quis que você saísse um pouco, porque...bom, se as coisas mudaram pra mim, pra você mais ainda...e não trouxe você pra cá como...companhia. Eu queria viver com você, queria todo dia os dias que eu te via. Entende?"

Ela me beijou, depois sorriu.

"Você está querendo dizer o quê, Norm?" - merda. Nem eu sabia. Estava completamente perdido nas minhas próprias palavras.

Eu não soube responder, sentia meu rosto arder. Porra, eu devia estar completamente vermelho.

"Nada." pigarreei e beijei, tentando me acalmar e mudar de assunto talvez.

"Agora que já estamos aqui....tem alguma música de preferência? O Sean conhece a banda que vai tocar hoje...se quiser pedir alguma em especial..."

Ela olhou para mim e revirou os olhos pra cima.

"hm...tem várias...difícil..."

"Tudo bem. eu vou pedir uma, não vou falar qual. Mas se você pedir a mesma, melhor, porque eu vou ter confirmado que te conheço tão bem quanto penso."

Ela piscou concordando. "Combinado."

"Então, vamos fazer isso do jeito certo. Espere aqui."

Ela assentiu, enquanto eu descia do carro e dava a volta. Se olhou no espelho, ajeitando a franja. Abri a porta do carro, e lhe estendi a mão.

"Senhorita, vamos?"

Ela sorriu e segurou minha mão, descendo do carro. Subimos por uma pequena ponte de madeira pintada de branco, com os braços dados. Sean e Nay esperavam do outro lado da ponte.

"Vocês demoraram....não podiam esperar terminar a noite?" disse Nay sorrindo.

Alguma coisa no sorriso dela dizia a Ally que não era uma pergunta natural.

Sean pegou a mão da namorada, fazendo-a dar um giro rápido para seu lado. "Vamos?" ele disse, passando para o meu lado.

"Deu certo, irmão?"

Fiz um gesto negativo com a cabeça. Sean olhou indignado mas não disse nada além de um "eu sabia..."...nesse momento Ally olhou para ele. "Sabia o quê?"...

"Nada, ele quer mandar seu pedido de música para a banda....não quer falar pra ele?"

"Não consegui escolher uma ainda..."

Olhei divertido para Sean. "ela ainda não escolheu, tá vendo?"

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora