O que eu gostava mais do que tudo eram as músicas. Ela costumava sempre colocar o que estava ouvindo enquanto escrevia, e sempre que podia eu escutava, antes ou depois. E ela ouvia de tudo, aparentemente. Peças eruditas, jazz, rockabilly, psychobilly, punk, rock'n roll....tinha de tudo.
A carta seguinte não era uma carta. Eram fotos. Duas fotos. Em uma ela segurava o filhinho no colo, e ambos sorriam. Ela estava com os cabelos soltos, na altura do ombro, negros e ondulados. Vestia um casaco preto e uma calça preta, pareciam estar em algum tipo de jardim. Presumi que fosse o jardim da casa do ex-marido em Osasco. Provavelmente a foto fosse de autoria dele também. A outra foto era apenas ela, vestia uma camisa jeans e estava recostada em uma janela fumando um cigarro, a luz vinha da janela e acentuava o cabelo tingido de verde. Ela tinha razão em ser vaidosa com o sorriso. Apesar do maxilar quebrado, mal se notava onde estava a fratura porque o sorriso dela era bem largo e seus dentes pareciam as teclas brancas de um piano. E tinha mesmo o nariz reto, e apenas a ponta arrebitada, tanto que mal se notava a sutileza daquela curvinha na ponta do nariz.
E quem diria, Sean estava errado. Não era uma menina de doze anos. Era uma mulher, adulta, feita, real. Finalmente ela tinha um rosto. E eu não sabia explicar, como até hoje não sei, mas se não olhasse com a devida atenção, não era bonita nem feia. Era apenas normal.
Por mais razão que ela tivesse em falar do sorriso e do nariz, eu não conseguia deixar de reparar nos olhos dela. Olhos castanhos, amendoados, e cílios densos e longos que poderia muito bem pensar que fosse maquiagem, mas pela foto mesmo eu podia dizer que não era. Eram naturais. Tinha uma pequena covinha na bochecha esquerda quando sorrria e os lábios eram grossos e desenhados. O sorriso fazia parecer que ela tinha no máximo 25 anos, e podia ver apesar da posição que ela estava na foto que tinha os quadris largos e coxas grossas. Para mim, ela parecia perfeita. De repente, eu não queria mais ler as cartas, queria ouvir a voz dela, queria vê-la.
Cheguei a pensar em escrever algo a convidando, mas dificilmente ela aceitaria. Estava começando a retomar a vida depois da maternidade, se refazendo de uma separação e eu não queria ser o cara que a convenceria a parar tudo de novo.
E agora tinham cartas debaixo do travesseiro na minha cama no apartamento em Chinatown, NY também.
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As Cartas da Problemática
FanficO que aconteceu antes de "Problemática"? Norman conta como conheceu Ally. "foi um gesto mínimo, de abrir uma carta entre milhares de outras. Outro gesto sem pensar, sem importância, que mudou tudo."