Naquele dia à noite, fomos para a casa da mãe dela, e depois voltamos mais uma vez ao teatro. Naquela noite em particular, estávamos no sofá preto no canto, ela estava deitada no meu colo (sim, agora ela ia e deitava no meu colo. Nunca mais no colo do Marco. É infantil, mas me sentia um tanto vitorioso nesse aspecto). Ela tomou uma cerveja enquanto eu havia dividido com o Marco uma dose de whisky.
- Tem um lugar em NY que você iria adorar...
- É mesmo?
- Um bar de blues e jazz, um dos mais antigos da cidade. Praticamente um berço da maioria dos artistas que você gosta.
- Seria legal conhecer lá mesmo...
- Um dia você podia ir pra lá, me visitar...
- Um dia...
Ela respondeu sem desviar a atenção da conversa entre alguns dos atores que estavam na mesa. Estavam conversando sobre literatura, e Ally ouvia com atenção.
Um amigo dela, chamado Rogério sentou-se na poltrona ao lado do sofá. Como sempre, ela se levantou e o cumprimentou com um abraço longo. "Esse pessoal se abraça demais", pensei divertido. Não costumamos no meu país se abraçar nem ter tanta intimidade. Um aperto de mão costuma bastar, e eu nunca deixei de me surpreender em como ela e as pessoas ao redor se cumprimentavam com beijos, abraços longos. Mesmo que tivessem se encontrado no dia anterior. É esquisito, mas ainda assim, acho legal.
- finalmente assisti o filme que você me indicou. - Disse o Rogério,
- Qual deles?
- A Fonte da Donzela.
- Gostou?
- Gostei sim, mas é pesado né...
- Eu não indicaria se não fosse.
- É a sua cara mesmo. Mas não sabia que você se interessava por crenças, catolicismo essas coisas do filme.
- Pela fé em si, não dou a mínima. Mas acho interessante o comportamento. No filme então, o Bergman usa muito a Idade Média, em outros são famílias paroquiais, padres sendo questionados, e coisas assim. Eu gosto dessa análise dele do comportamento humano quando é orientado pela fé. Ele critica muito isso, e não tem forma melhor de criticar em um filme do que usar a figura das autoridades do assunto.
- Mas no a Fonte da Donzela, a família é muito religiosa, mas a Donzela mesmo, qual o nome dela?
- Anna
- Sim, ela não é exatamente religiosa.
- Não. É uma donzela mesmo. Ela é jovem demais para se importar com isso, a mãe dela mortifica a própria carne pela fé. O pai é um pouco menos fervoroso, mas ainda assim, reza.
- E ela, nada...
- Ela acredita nas pessoas. é jovem. Acontece. Aí acontece aquilo tudo né...
- E aí toda a família dela acaba se perdendo na própria fé. Dando abrigo aos assassinos.
- Sim. É legal de ver isso. A reação emocional supera a razão. E o amor a deus, nessa visão do Bergman....ele prova ali naquela hipótese, todo filme é uma. E ele mostra ali que a fé é sim, racional, é deliberada. Abre-se mão dela em prol da emoção. Todos enlouquecem com a morte da Anna.
- Isso é muito triste.
- Você ficou triste?
- Fiquei. Mesmo com aquela fonte onde estava o corpo dela, não achei aquilo bonito. Os pais recuperam a fé, mas....não é bonito.
- Não...eu lembro que a primeira vez que vi, que quando o pai pega o corpo dela, e a água começa a brotar do chão, imaginei como se aquilo fosse o sangue dela derramado para sempre ali.
- Faz sentido....é uma boa interpretação.
Eu só lembro dessa parte da conversa porque me chamou a atenção, e porque ela estava deitada no meu colo, então estava conseguindo ouvir tudo. Claro que a medida que foi chegando mais e mais gente, ela se levantou e conversaram animadamente durante algum tempo.
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As Cartas da Problemática
FanfictionO que aconteceu antes de "Problemática"? Norman conta como conheceu Ally. "foi um gesto mínimo, de abrir uma carta entre milhares de outras. Outro gesto sem pensar, sem importância, que mudou tudo."