33. Moonlight Drive

52 5 0
                                    


- Precisamos mesmo voltar para a casa da sua mãe?

- A essa altura todos estão dormindo lá...podemos ir para qualquer lugar agora.

Pensei que iríamos para a casa dela em Osasco, mas ela tinha outra ideia. Eu não conhecia absolutamente nada, então só podia confiar no que ela fazia. E então percebi que estávamos em uma estrada.

- Aonde estamos indo?

- Pensei em aproveitarmos mais um pouco, ainda está cedo.

- Tudo bem....mas aonde estamos indo?

- Você vai ver...aposto que você vai gostar.

Lembrei do Claudio dizendo que ela precisava confiar em mim, e pensei que talvez se eu não fizesse tantas perguntas ela confiaria mais rápido. Ela aumentou o volume do rádio, mas eu dormi mesmo assim. Dois discos inteiros do GG Allin depois, (e lógico que ela gritando junto com as músicas como uma maluca também), estávamos em uma praia. Na verdade, estávamos em uma ruazinha estreita, mas eu senti o cheiro de mar, e aquele clima úmido de praia. E estava ali à frente. Ela desligou o carro, e piscou para mim.

- Nada melhor que uma praia de madrugada.

- É seguro?

- Aqui é bem afastado das praias mais conhecidas da região...fica tranquilo...

Descemos do carro e eu a segui até a praia. Era um lugar bem pequeno e simples. Tinha alguns rochedos a alguns quilômetros de distância nas duas direções, então era bem isolado mesmo. Apenas os moradores das casas ao redor que frequentavam ali, creio.

Ela soltou a minha mão quando chegamos na beira da água. Estava um calor forte aquela noite. Ela estava eufórica, andava rápido e a passos largos. Em um certo ponto, apenas fiquei observando enquanto ela entrava na água escura. Os postes de luz iluminavam uma parte da praia mas não muito. Ela entrou até a água bater na cintura, e quando uma onda quebrou sobre ela, mergulhou como um arminho, e alguns segundos depois a vi mais ao fundo, ela acenou com um braço. Outra onda parecia que ia quebrar sobre ela e ela imediatamente mergulhou de novo. Não sei quanto tempo fiquei observando ela. Ela me chamou algumas vezes para entrar, mas eu estava curtindo ficar ali, com o barulho do vento morno que vinha do mar, vendo ela mergulhar e nadar.

Tirei a calça e a camiseta e mergulhei, fui nadando até ela. Quis abraça-la mas naquele mesmo momento uma onda quebrou em cima de nós dois.

- Mergulha! Ela gritou enquanto colocava as duas mãos sobre meus ombros, e me empurrou para baixo jogando o peso do corpo sobre mim. Quando emergi de volta, olhei ao redor mas nenhum sinal dela. Poucos segundo depois ouvi a voz dela ao longe. Estava a alguns metros mais adiante no mar.

- Aqui as ondas não quebram, vem pra cá! - ela gritou, mas eu fiz um sinal que não iria. Chamei ela com um gesto de braço, para que saíssemos da água. Além da escuridão, temia que alguma correnteza mais a fundo a puxasse, nos puxasse.

Ela insitiu algumas vezes e depois se conformou. Voltou dando braçadas longas.

Saímos da água e eu me sentei na areia. Ela veio e se aninhou no meu colo, o cabelo molhado colava no rosto dela e ela tremia de frio.

- Não parecia que estava tão gelada...- ela disse batendo os dentes, encolhida no meu colo.

- Talvez seja melhor a gente caminhar um pouco enquanto secamos...'pelo menos para aquecer o corpo...

- Tem razão...

Nos levantamos e saímos caminhando. Alguns metros adiante havia um pequeno quiosque, e a luz estava acesa.

- Será que o Sr. Oswaldo ainda está aberto?

- Você conhece o dono dali?

- Sim, eu vinha muito aqui. Tínhamos uma casa na praia do lado e sempre passava aqui. Mesmo depois que vendemos a casa, anos atrás, sempre que podia vinha aqui.

Caminhamos até lá abraçados, ela contava sobre as férias que passava na praia próxima, e do pequeno apartamento que comprou e teve que vender com menos de um ano de uso, do Sr. Oswaldo que era músico e louco por Beatles e contou a ela todas as histórias que conhecia a respeito da banda.

E era mesmo fã de Beatles. O pequeno comércio era forrado de pôsteres dos Beatles, o cardápio era composto de lanches com nome dos quatro garotos de Liverpool, e claro, o rádio tocava só Beatles. estava vazio, apenas o Sr. Oswaldo estava lá.

- Alezinha, que bom te ver, pequena!

- Seu Oswaldo, que saudade! - ela respondeu enquanto ele abria os braços para recebe-la. com um abraço, claro.

- E este é...

- Esse é o Norman. Norman, este é o Sr. Oswaldo. Ele é o rei dessa praia inteira.

Ele riu sem graça, e apertou minha mão e deu um meio-abraço com a outra mão nas minhas costas.

- Prazer em conhecer, Norman...ele não é daqui é?

- Não, senhor, sou americano.

- Imaginei algo assim. Por favor, fiquem à vontade, vou pegar algo....eu já estava fechando, mas que bom que esperei um pouco mais! vocês precisam é de toalhas. Encharcados assim a gripe é certa. Já volto.

Nos sentamos e alguns poucos segundos depois ele voltou com toalhas penduradas no braço, e uma garrafa de cerveja que de tão gelada, uma camada fina de gelo se formava na garrafa.

Ela encheu os dois copos, e acendeu um cigarro.Nos secamos um pouco e passamos a madrugada sentados, ouvindo as histórias do Sr. Oswaldo, que depois de algum tempo voltou para atrás do balcão.

Ficamos ali, na escuridão da praia, bebendo e conversando. É outra coisa que fui "impregnado" pela Ally. Até hoje, sempre que ouço Beatles, lembro de nós dois naquela praia no escuro, sob a única luz do quiosque do Sr. Oswaldo. Ela se sentou no pequeno muro que cercava o quiosque, cruzando as pernas nuas.

Depois quando começava a amanhecer, pegamos o caminho de volta. Estava um pouco mais frio, e ligamos o ar condicionado do carro para subirmos de volta a serra. Chegamos na casa da mãe dela em menos de uma hora. Ainda conseguimos dormir por algumas horas até que o Ian acordasse. 

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora