36. Jeffrey

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Apesar de passarmos boa parte do começo de tudo sozinhos, ou no máximo na companhia do Ian, houveram muitas influências de amigos. Mas se eu tivesse que dizer quem foi que mais participou de tudo, sem a menor dúvida, são os amigos com quem eu mais passava o tempo durante as férias das gravações, que eram o Sean e a Nay. A participação dele desde o começo, quando contei para ele sobre as cartas, e como ele fez todas as manobras para conseguir que Ally fosse contratada para o serviço de intérprete, além da sugestão de escrever de volta para ela. Eu sou um cara meio bobão às vezes, e até o dia que criei coragem e contei para ele sobre as cartas, se não fosse ele e a sugestão dele do que eu deveria escrever para ela, se não fosse essas pequenas participações nos bastidores da história, talvez nada teria acontecido.

Na época ele e a Nay eram quem mais sabiam o que eu ia fazer no Brasil durante as férias. O Jeffrey também sabia, mas eu não contava muito, pois além de eu ficar extremamente constrangido, ele sempre gostou de me aloprar. Na verdade, nos alopramos, mas eu era...digamos um pouco sensível a esse caso em particular.

Então, eu estava já de volta em NY.

- Pateta? Está de volta? Como foram as férias? - perguntou o Jeffrey no telefone.

- Foi tudo bem, babaca.

- Tem planos para hoje?

- Só trabalhar.

- Panaca. Vamos fazer o seguinte, eu estou em NY por esses dias, vou passar aí para uma cerveja.

- Certo.

Em poucos minutos, ele estava subindo. Escutei ele entrar na sala, mas estava concentrado assinando algumas impressões de fotos para enviar.

- Pateta, cheguei.

- Aqui no escritório.

- O que está fazendo de bom? Trabalhando, claro! Porra, Norm, você está de férias, caceta...vamos dar uma volta...

- Tem algum lugar em mente?

- Apenas vamos rodar um pouco, hoje tá foda pra mim.

- Problemas em casa?

- É... - ele disse enquanto coçava atrás da orelha. - Não vamos falar disso, só...cerveja e estrada já bastam. O que é isso? Cartas de fãs? - Ele disse enquanto pegava uma carta na caixa ao lado da minha mesa. - De quem você é fã, Norman?

- Er.....deixa isso pra lá, depois eu conto.

- Você...você está me traindo, Normy? Nunca pensei...

- Jamais. Você é meu único, só amo você e você sabe disso. Pateta.

- Brincadeiras à parte....desde quando você escreve?

- Já faz um tempo....pouco mais de um ano. Vamos...depois eu te explico.

Descemos e pegamos a moto. Eu não sabia aonde ir, apenas o segui. Pilotamos até Bull Hill's Breakneck Ridge.

- Você anda muito misterioso, Normy, não combina com você. O que diabos você vai fazer na porra do Brasil?

- É pessoal...

- Isso eu pude perceber. Anda, não tem nada que possa ser tão ruim, por que esse suspense todo?

- Não é nada de mais. Só...uma garota. Bem, não é uma garota, é uma mulher.

Estávamos sentados tomando cerveja na pequena pousada que ficava antes da trilha que subia o vale. Ele acendeu um cigarro e riu.

- Você é um caso perdido Norman. Não conheço ninguém mais doido que você.

- Eu gosto dela cara.

- Imagino. E você vai até lá para ficar com ela?

- Yup.

- Deve valer muito a pena.

Eu apenas assenti.

- De qualquer forma, cuidado. Depois daquela última que foi a maior confusão que você já se meteu, eu fico receoso.

- Ela não é nenhuma menina. É mulher, adulta.

- O que ela faz?

- É tradutora. E escreve também. E outras coisas.

- Por que ela não vem aqui? Se já tem esse tempo todo que vocês se comunicam, imagino que ela também o leve a sério.

- Acredito que sim. Mas ela tem...dificuldades.

- Dificuldades?

- Sim.

Ele não falou mais nada. Mas por algum motivo, talvez fosse porque eu tinha acabado de voltar de lá, eu queria falar a respeito. Contei sobre o hotel, sobre como nós dois desconfiávamos um do outro naquela primeira noite, sobre as cartas, e sobre ela resistir em vir para cá. Pricipalmente sobre ela resistir em vir para cá.

- Mas se ela tem o garoto, fica complicado mesmo, Norm. Dá pra entender o lado dela.

- Mas eu penso inclusive nele. Quais chances ele tem naquele lugar? Ela se desdobra em três para conseguir cuidar e dar tudo que ele precisa. Aqui ele teria tudo mais fácil, e ela também.

- Como assim? Você bancaria ela?

- Não ousaria nem sugerir isso. Ela nunca permitiria isso. Talvez até se ofendesse.

- Se ela tem os meios dela, realmente...

- O problema é que ela não aceita que facilitem as coisas para ela. Não sei o que ou a quem ela insiste que tem que provar que consegue do jeito mais difícil. E aí acabamos assim. Eu vou até lá, e ela para tudo que está fazendo, por mais que eu insista que não é necessário. Pensei já que talvez seja melhor eu não ir mais lá.

- Mas não é o que você quer, nem ela.

- Exatamente.

- Se ela tem o que for preciso para a própria carreira aqui, não vejo motivos mesmo.

- O único que tem é o orgulho dela, mesmo.

- Não sei. Quem a conhece é você. Eu não sei nada além do que você me diz.

- Aqui. Esta é ela. - eu disse enquanto escolhia uma foto no celular. Ela estava abraçada com o Ian na foto. Deitados na cama.

- Bonita. - ele disse depois de colocar os óculos para olhar a foto. - O garoto também parece feliz.

- Ela é. Eles são. E são especiais. É muito difícil não se apaixonar por ela. Por eles.

- O garoto te conquistou também?

Apenas assenti.

- E ele tem pai?

- Tem, mas estão separados faz um tempo. Ally diz que eles são bons amigos, mas eu não sei. Essas coisas são complicadas. Ela tenta manter tudo simples mas eu duvido que seja tão simples quanto ela diz. De qualquer maneira, eu nunca o vi. Ele nunca apareceu. Ela disse que ele se casou de novo, e por isso aparece cada vez menos.

- Então...ela está basicamente...por conta própria.

- Não sei se alguma vez ela não esteve. Mas só a conhecendo para entender.

- Normy, cuidado...

Eu sabia que ele diria algo assim, ou optaria por aloprar. Preferia esse aviso, apesar de não ser nenhuma novidade.

Ele andava com alguns problemas com a esposa, e por causa do filho, estavam tentando resolver os fiapos soltos, então a conversa se encarregou mais por conta disso. Admito, eu sentia um certo receio de falar muito sobre ela, que alguém pudesse vê-la como eu e tentar se aproximar. Extremamente bobo? Sim. Infantil? Com certeza. 

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora