1. A primeira carta

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Sempre andei pela vida sem esperar nada dela. Não me lembro de em algum momento pensar "quero ser ator" ou fotógrafo, ou modelo, nem qualquer outra coisa. Até mesmo a escola de arte foi uma chance que peguei sem saber ao certo porquê. A minha vida inteira eu só fiz o que queria, e dei sorte algumas vezes, e azar em outras.

Mas existem sim, algumas pequenas atitudes que a gente não percebe, mas que mudam o rumo da vida completamente, seja na direção oposta do esperado, seja para nos impulsionar para frente, para um caminho que jamais esperaria. Não posso dizer que tive coragem. Afinal, coragem existe quando se enfrenta o medo e eu não tive. Nem pensei a respeito. Sempre fui mais inconsequente do que corajoso. Eu costumo ser um tanto covarde, e evito confronto o máximo que posso. Só fazia as coisas que fiz, sem pensar. Não ia ser aos quarenta anos de idade que isso iria mudar. Um convite para um teste, ou um passeio de moto com colegas de trabalho. Coisinhas simples, bobas que fiz sem pensar muito, mas que me levaram a um caminho que fico feliz sempre que olho para trás e depois para onde estou.

E depois de aceitar essas chances totalmente ao acaso que me apareciam, que aconteceu uma. Baseada em um único gesto, que parecia comum, sem nenhuma importância, foi mais uma dessas vezes que virou um enorme golpe de sorte. Trouxe algo que eu jamais esperaria. Algo que eu já havia desistido de encontrar nesta vida.

Já peço perdão antes de começar a contar a história. Ao contrário da outra protagonista, eu não tenho o dom da escrita. Claro que sei um mínimo de ortografia, mas não sei exatamente passar uma mensagem ou transmitir algo por escrito. O meu trabalho é somente ler e interpretar. Não escrever.

Começou com mais uma temporada de gravação. Eu ficava sempre empolgado quando chegavam caixas e mais caixas no trailer montado para mim no set. As cartas dos fãs sempre me alegram, adoro receber e sempre leio uma por uma de acordo com o tempo que tenho. É esse carinho que recebo dos fãs que até hoje, me ajuda a continuar, por mais cansado e em dúvida que eu esteja com meu trabalho.

Separava as correspondências metodicamente, separando as cartas dos cartões e as encomendas. Sempre haviam tantas encomendas! Desenhos, presentes de todo tipo, desde camisetas, patches para bordar na jaqueta, até máscaras enormes, até mesmo implantes de silicone (até hoje uso como suporte para o celular. É genial). É sempre como um Natal fora de época.

Lembro de chegar no trailer uma noite e encontrar as pilhas organizadas como havia deixado na noite anterior das gravações, e apesar de cansado, resolvi apenas passar a vista em algumas das cartas.

E ali tinha uma carta, escrita à mão. O conteúdo da carta era grosso, quando abri o envelope, eram pelo menos 10 páginas escritas à mão, frente e verso, em uma letra cursiva, certamente feminina. A carta em si, era bonita. O papel timbrado simples, mas a letra era fina e cheia de curvas e pontas, escrita levemente inclinada para a direita, e por alguns segundos, na minha poltrona no trailer, fiquei segurando a primeira folha apenas admirando a carta. Sem ler, apenas me chamou a atenção, porque não é comum receber cartas tão longas, as pessoas hoje em dia usam e-mails ou comentários enormes em posts no Instagram.

As Cartas da ProblemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora