Prólogo

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REINO DE ARTENA – CASTELO REAL



Na grande sala de reuniões do Castelo de Artena, o fogo ardia na lareira, o som de seu crepitar preenchia o silêncio que pairava entre os presentes. Do lado de fora da janela as árvores dançavam em uma dança conhecida, era o fim do outono, logo o conhecido e rigoroso inverno de Artena estaria em seu auge. Lobos uivavam ao longe, talvez um mau augúrio para um dia tão importante. 

Sentado à mesa se encontrava o Rei Augusto, o soberano de Artena, um homem robusto e forte, com os primeiros fios de cabelo branco já apontando os seus anos de vida e de reinado, ao seu lado estava a Rainha Crisélia, uma senhora já em idade mais avançada, com rugas tomando seu rosto de feições angulares, embora o cabelo ainda fosse de um ruivo intenso, cor de fogo, ela era uma mulher vaidosa que insistia em esconder cada fio branco que revelasse sua idade, era rainha do reino de Montemor, um reino aliado, grande e poderoso. 

De pé, ao lado dos monarcas se encontravam Demétrio, conselheiro de Augusto, alto e forte, e Leonora, uma senhora baixinha e rechonchuda, e dos quatro presentes era a única que permanecia com um sorriso no rosto, era conselheira de Crisélia, e a que mais apoiara a decisão do acordo celebrado neste dia. Ninguém falava, naqueles segundos o tempo parecia ter parado.

Ambos os monarcas tinham acabado de selar o compromisso, a tinta de suas assinaturas ainda frescas no papel.

- Tem certeza que tomamos a decisão mais sensata Crisélia? – perguntou Augusto, visivelmente aflito. – Eles são tão jovens, tanta coisa pode acontecer.

- Essa é a única decisão meu amigo, nossos reinos foram aliados por todos esses anos, chegou a hora de uni-los. – respondeu ela. – Iremos torná-los mais fortes, Artena assim terá o poderio militar de Montemor, e Montemor poderá se beneficiar das fontes de água de Artena e de seu acesso ao mar. Uma aliança permanente. – afirmou, colocando sua mão sobre a dele.

- Sim, estrategicamente é a melhor opção, uma aliança poderosa e benéfica para ambos os reinos, eu entendo isso. – disse ele.

- Imagine o progresso que essa aliança trará. Nosso povo, que há tanto tempo se consideram quase irmãos, se tornarão um só.

- Mas não se trata apenas do povo, eles são apenas crianças, me parece errado definir o futuro deles dessa forma. – Augusto olhava novamente o Termo de Compromisso. – Catarina ainda não completou seis anos de idade, e aqui estou eu definindo seu futuro marido.

- Majestade, além de ser a melhor decisão estratégica e uma das alianças mais poderosas que a Cália já viu, penso que não há nestes reinos melhor pretendente para Catarina. - interveio Demétrio. - Se eu acreditasse em destino, diria que a união dela com Afonso foi predestinada.

- Será a maior celebração de toda a Cália, todos os reinos temerão e respeitarão essa união. – reforçou Leonora.

- Vejam só, eu pareço ser o único a estar inseguro nesta sala. – comentou Augusto com um esboço de um sorriso no rosto cansado.

- Meu querido amigo, um casamento arranjado é a coisa mais natural para nós, e pelo que sei você e Cecília foram prometidos um ao outro ainda crianças, assim como eu e meu amado Guilherme, e depois de mim minha filha Isabel teve o mesmo destino. – argumentou Crisélia.

- Bom, sim, mas eu queria algo diferente para a minha filha. – respondeu Augusto, com o semblante aflito novamente. – Não que não tenha amado Cecília, eu a amei de todo coração, mas pensei...talvez se eu esperasse ela crescer, ela poderia se apaixonar, talvez um duque, ou um conde, um amor natural, sincero, eu sinto por privá-la disso.

– Bom, Afonso também é muito pequeno, completará nove anos na próxima lua, mas você sabe que as coisas são assim. – afirmou Crisélia, enfaticamente. – Eles nasceram na mais alta nobreza, herdeiros de seus reinos, isso lhes dá privilégios que os plebeus apenas sonham, mas também acarreta responsabilidades, e o casamento apropriado é uma delas, nós não temos a opção de nos casar por amor, sabe disso tão bem quanto eu, nosso casamento é mais uma manobra política do que qualquer outra coisa, ele deve garantir alianças, se o amor vier depois eu já considero uma vitória. – ela se levantou, com um sorriso no rosto para confortá-lo. – Eles entenderão quando forem mais velhos, saberão qual a posição deles e qual seu dever para com o reino, afinal estamos educando eles para assumirem o trono.

- Sim, eu entendo tudo isso, você está certa minha amiga, como sempre esteve em tudo. – respondeu Augusto e ambos riram.

Augusto se levantou, ainda com o papel em suas mãos, observou novamente as letras ali escritas, e ordenou que Demétrio selasse o documento e o guardasse no cofre real. Crisélia, que também tinha uma cópia do acordo, selou com o brasão dos Monferrato, e o entregou a Leonora.

- Devo chamar a princesa e o príncipe Majestade? Eles irão tomar ciência do Acordo agora? – perguntou Demétrio.

Augusto observou a janela próxima, ali de cima conseguia ver todo o jardim, o labirinto que sua esposa tanto amara. De onde estava podia ver lá embaixo duas crianças correndo, Catarina já tinha desfeito as tranças que sua ama tinha feito para as visitas reais, agora corria com os longos cabelos negros ao vento. Atrás dela corria um menino magricela, Afonso. Enquanto ele era todo gentileza e cordialidade, mansidão e paciência, ela era impetuosa e feroz, ambiciosa e destemida, o que se daria da união dos dois era algo que permaneceria na cabeça do rei pelos anos que viriam, ele tinha certeza. Catarina nascera com um fogo dentro dela, um fogo que ardia, mais do que tudo era isso que Augusto mais temia, que um dia esse fogo a consumisse. Talvez essa fosse a melhor decisão, de fato, eles se completam, um o extremo oposto do outro, juntos eles podem ser grandes, grandes em toda a Cália e além dela.

- Majestade? – perguntou Demétrio o tirando de seu devaneio.

- Não Demétrio, deixe-os brincar, eles ainda são crianças, deixe-os permanecerem na inocência de seus deveres e responsabilidades por mais algum tempo, por hora deixe-os serem apenas crianças.

Crisélia concordou, e ela bem sabia o quanto Afonso adorava brincar no labirinto dos jardins, inclusive pediu insistentemente que ela construísse um em Montemor também, alegando que assim Catarina poderia visitá-los com mais frequência e se sentir mais em casa, embora ela tenha lhe explicado que plantas como aquela dificilmente viveriam muito no clima seco de Montemor, ao ele ficou visivelmente chateado, embora se mantivesse firme em não chorar, enquanto o pequeno Rodolfo já se debulhava em lágrimas com a negativa, ele mesmo ainda pequeno sabia ser firme, como o herdeiro devia ser.

Crisélia ajeitou o vestido e por um momento observou Augusto, seu rosto estava mais tranquilo agora, algo na mente dele havia se acalmado. Ela era mais velha do que Augusto, mas os anos a preservaram enquanto o atingiram com mais força, observando o rei agora, via que talvez, se alguém observasse de longe, pensaria que ambos tinham a mesma idade. Ela encarou o velho amigo, e então estendeu-lhe a mão.

- O acordo está selado, que os nossos reinos se unam em um só com o casamento de nossos herdeiros! – exclamou Crisélia.

- E que o reinado deles seja próspero! – respondeu Augusto, ao apertar a mão da rainha.

- Por Catarina de Lurton! – disse Demétrio, erguendo sua taça de vinho.

- Por Afonso de Monferrato! – disse Leonora, batendo palmas.


/////


Ao fim daquele dia, quando partia rumo a Montemor em sua carruagem, com seu neto, Afonso, dormindo com a cabeça apoiadaem seu colo, Crisélia tinha plena certeza que tomara a decisão correta, a melhor decisão para ambos os reinos, senão para toda a Cália. O casamento de Afonso e Catarina seria motivo de alegria tanto para o povo de Artena quanto para o povo de Montemor. Unidos eles se tornariam mais fortes que qualquer outro reino, da Cália e do Oriente, o mais próspero. O futuro estava escrito, e ele seria glorioso.    


A Grande Rainha - Contos da CáliaOnde histórias criam vida. Descubra agora