Capítulo XXIX

920 65 9
                                    


REINO DE ARTENA – CASTELO REAL



Catarina entrou no Castelo Real sem esperar ser anunciada, sem sequer esperar que sua dama de companhia, Lucíola, viesse ao seu encontro. Uma nuvem de fúria e raiva permanecera ao seu redor desde que lera aquela carta, desde que descobrira a verdade. Tamanha foi sua revolta que pouco parou para pensar na batalha que em breve aconteceria, sabia que ao final do dia Afonso e Constantino chegariam ao acampamento, e imediatamente eles dariam o alarme, seria tudo preparado para a batalha que viria. Porém, a mente de Catarina desviou-se do confronto, sabia que não seria imediato, diferente do que ela tinha de lidar no momento, ela tinha como foco o que continha no restante da carta, a captura do traidor.

O salão parecia mil vezes mais frio quando ela entrou, mesmo com as tochas acesas, com o calor do fogo circundando a ampla sala do trono, o ar continuava frio, trazendo uma sensação de alerta ao seu corpo, uma aura sombria pairava ao redor.

Ela observou o trono real, ali, imóvel e solitário no alto do salão. Após semanas afastada, retornar e encontrar seu castelo, seu trono, andar pelos corredores e por aquele chão de pedra maciça, era estranho. Havia algo, de alguma forma que ela não sabia explicar, parecia tudo novo, estava diferente, algo havia mudado.

Talvez tenha sido eu a mudar, não o castelo, pensou. Ela partira dali confiante, tinha a certeza que tinha um bom plano em ação, esperava o fim da guerra, uma armadilha que liquidaria Otávio, mas ao invés disso, ela fora traída, e em consequência, a armadilha caíra sobre ela, que quase morrera naquele Vale.

Isso tudo, a viagem à Alfambres, a realidade de seu reino e sua situação, as concessões que fora obrigada a fazer, aquilo tudo a tinham afetado duramente, ela ainda mantinha sua autoconfiança, inteligência e perspicácia, mas não se sentia a mesma, era como se um martelo grande e poderoso, tivesse batido com força sob sua superfície, uma vez, de novo, e de novo, ela se mantinha firme, mas aos poucos rachaduras começavam a se formar, e ela lutava para manter cada parte em seu lugar, para se manter inteira, para não desmoronar.

Lembrar do Vale de Letana, de seus homens morrendo soterrados, a visão das rochas caindo, o som dos ossos quebrando, o desespero, a aflição, a dor. Cada menção a isso inflava sua ira, o traidor, fora tudo culpa dele, a guerra poderia estar terminada, poderia estar tudo acabado, ela seria a rainha de um reino vitorioso, sem a necessidade de um noivo ou de um marido com a urgência que ansiara por um, e isso lhe fora tirado, e saber que fora tudo culpa daquele homem, saber a forma como conseguira a informação, o acesso que tivera aquelas informações sigilosas, como a tinha vendido inescrupulosamente ao inimigo do reino, saber disso inflamava sua raiva em um nível que ela pensava não ser possível.

Com passos rápidos ela saiu da sala do trono sem olhar novamente para a cadeira vazia, onde um dia seu pai se sentara. Catarina seguiu pelos corredores, com Delano em seus calcanhares, tentando acompanhá-la, e após cruzar boa parte da ala oeste ela enfim chegou as escadas que levavam as masmorras, e já ofegante subiu-as rapidamente.

Quando adentrou o corredor das celas, o característico cheiro de urina tomou suas narinas, Catarina quase levou a mão ao nariz, o cheiro estava mais forte dessa vez, o ar estava parado, tão pesado que ela sentia ser comprimida por tal odor repulsivo, e um cheiro de mofo se misturava ao da urina ali parada. Observando os cantos das celas, via que a palha estava úmida, igual a chuva que assolara a Região Central, ela notara no caminho em Artena árvores caídas, galhos pela estrada e um nível elevado do rio, a chuva que caíra em Artena deveria ter se infiltrado na masmorra, aumentando o nível de umidade daquele lugar.

A Grande Rainha - Contos da CáliaOnde histórias criam vida. Descubra agora