Capítulo XII

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REINO DE ARTENA



Catarina não sentia fome, a garganta estava áspera, seca, mas não por estar com sede, era a aflição que a incomodava, a vontade de falar, de reproduzir as palavras que estavam obstruindo sua garganta, eram muitas, e ela as prendia firmemente lá dentro, usando de toda a sua força interna para impedir que se libertassem. A sensação de estar presa dentro de si mesma, de ter de se limitar a sorrir e se mostrar calma e serena naquele momento, isso lhe tirava todo o prazer da refeição.

Sentada na grande mesa do salão, ela remexia a carne de cordeiro recém assada, mas sem levar nenhum pedaço à boca. Na ponta da mesa estava sentado seu pai, que há apenas algumas horas havia retornado de Montemor, e do outro lado da mesa, do lado esquerdo como era apropriado, estavam sentados Demétrio e Aquino, e enquanto todos jantavam seu pai os atualizava com as recentes notícias de Montemor e da Cália.

- Então o estado da Rainha Crisélia não melhorou? – perguntou Demétrio.

- Infelizmente não, a febre de inverno que a acometera nas últimas semanas acabou se transformando em uma grave infecção nos pulmões, ela não se cuidou como devia no início, isso agravou seu quadro. – respondeu Augusto com pesar na voz.

- Uma mulher na idade dela contraindo a febre de inverno deveria permanecer em repouso absoluto desde os primeiros sintomas. – comentou Aquino. – Como permitiram que ela cavalgasse até o vilarejo quando já se encontrava doente?

- Houve alguns conflitos lá, uma grande confusão entre os comerciantes e os soldados reais, aparentemente tudo começou com um local errado de uma barraca e tomou proporções muito maiores. – explicou Augusto. – E Crisélia pensou que apenas ela poderia resolver a questão, não permitiu que o neto tomasse conta da situação.

- Ela não confia no Príncipe Rodolfo para mediar tais conflitos? – perguntou Demétrio.

- Ela não confia em Rodolfo para nada Demétrio. – respondeu Catarina, seca, antes que o pai tomasse a palavra. – Ninguém em sã consciência confiaria alguma responsabilidade a Rodolfo, ainda mais um conflito dessa magnitude com os soldados reais envolvidos.

- Não é bem assim minha filha. – disse Augusto. – Ela temia que a autoridade do príncipe não fosse suficiente, um conflito assim poderia acabar em mortes, podendo ocasionar até uma guerra civil ou um levante.

- O príncipe deveria ser capaz de lidar com esse conflito, nunca deveria ter permitido que a avó saísse do castelo doente. – argumentou Aquino.

- Bom, Rodolfo ainda é um tanto inseguro quando se trata de remediar conflitos, e eu bem sei como Crisélia pode ser cabeça dura. – comentou Augusto. – Se ao menos Leonora estivesse viva, ela era uma das poucas conselheiras em Montemor a quem Crisélia realmente ouvia, mas agora já em idade avançada sua obstinação se torna mais uma imprudência do que qualquer outra coisa.

Catarina queria argumentar o quanto o fato de Rodolfo estar como regente no momento deixava tudo instável, queria que o pai visse como isso era perigoso para Artena, que se apoiava na força militar de Montemor, ela queria que ele compreendesse a real ameaça de Otávio, mas de nada adiantava, não importava os fatos que ela ressaltava, os argumentos em que se mantinha, todas as evidências claras que os últimos acontecimentos poderiam desencadear algo terrível para Artena. Seu pai não a ouvia, tudo que ela falava era visto como superficial, como implicância, até como imaginação da cabeça dela, ela era a princesa e a herdeira do trono, mas suas palavras e opiniões não tinham peso algum sobre seu pai, ele sempre a via como uma menina que não entende do grande jogo entre os reis da Cália. Ela amava o pai, mas ser vista como esse ser frágil e tolo fazia brotar nela uma mágoa e um ressentimento que aumentavam a cada dia.

A Grande Rainha - Contos da CáliaOnde histórias criam vida. Descubra agora