Capítulo XXXIV

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REINO DE ARTENA



Uma onda de enjoo atingiu Catarina, era o cheiro do ovo cozido, algo que o marido comia com gosto, e agora preenchia boa parte da mesa do café da manhã. Ela tocou a boca com os dedos, tinha que conter um vômito que insistia em subir. Respirou fundo, uma vez, duas vezes, até que a sensação passou razoavelmente. O marido olhava para ela, por vezes discretamente, como se por mera causalidade, mas as vezes ela o pegava encarando-a fixamente.

- Você está bem, Catarina? – perguntou ele, enquanto mastigava um ovo inteiro na boca.

- Estou sim, querido, apenas não tenho tanto apreço por ovo cozido como você. – respondeu ela, com um meio sorriso.

- Em Vicenza os homens comem duas dúzias de ovos no café da manhã, é o que nos faz fortes. – explicou ele, entornando depois uma taça de vinho. – Ovos e uma boa dose de vinho, é o que eu preciso para começar bem o dia.

- Ovos e vinho? Talvez um bom livro também seja bom para começar bem o dia, fortalece a mente ao invés dos músculos, mas suponho que isso seja algo em falta em Vicenza. – comentou ela, ácida. Sentia sua paciência se esvair a cada momento, agora mais rápido do que de costume.

- Não, temos muitos livros lá, eu que nunca fui muito fã de penas e pergaminhos.

- Eu pude notar. – respondeu ela, tomando um gole de seu suco de laranja matinal.

A porta do salão de refeições se abriu, interrompendo algo que ela via que o marido iria dizer, e Silas entrou, trazia nas mãos uma carta. Seu coração subitamente acelerou, talvez fosse uma carta de Afonso, tinha que ser de Afonso. Catarina ainda não compreendia o que fizera ele partir daquela forma, sem avisar, sem dizer nada, apenas tinha ido embora, ele fora visto na estrada, cavalgando rumo a fronteira do reino, na companhia de dois oficiais da Guarda Real de Montemor. Ele não tinha comparecido à reunião do dia anterior, e tampouco enviara uma carta ou notificação, nada, Afonso tinha simplesmente partido, desaparecido sem qualquer esclarecimento.

Catarina custava a aceitar, não conseguia acreditar que ele a tinha abandonado daquela forma, abandonado Artena. Tinha esperanças de que receberia algo, uma carta, um aviso, qualquer coisa que explicasse as atitudes dele, talvez fosse a resposta que aguardava que o jovem capitão trazia nas mãos.

- Majestade, uma carta, é de Alfambres. – anunciou o Capitão, entendendo o envelope para ela.

Catarina sentiu o fio de esperança se esvair de seu corpo, não era uma carta de Afonso, talvez ele não se importasse o suficiente para lhe escrever e informar o que acontecera, afinal de contas. Ela pegou o envelope que o rapaz estendia e quebrou o selo, era de Gertrudes, a rainha de Alfambres. Catarina observou a letra caprichosa, redonda e assimétrica, mas via nos respingos espalhados pelo papel que fora escrita às pressas.

"Querida Catarina,

Escrevo em meio a um grande alvoroço, a situação aqui é delicada, e acho que você deve saber o que aconteceu, pois é algo que sinto que pode te afetar. Bernardo partiu de Alfambres, meu amado filho partiu daqui, escondido na calada da noite e na companhia de cinco de seus mais leais soldados, e eu posso apenas imaginar qual o caminho que ele irá tomar.

Bernardo e Heitor discutiram depois de sua partida, e não se falaram mais desde então, ele insiste que ele é quem deveria ter sido seu esposo, e que por culpa do pai, com suas altas exigências, não conseguiu tal realização, sua ira ao saber que você adiantou seu casamento foi colossal, nunca vi nada parecido, meu filho, meu menino, agindo como o inimigo do próprio pai.

A Grande Rainha - Contos da CáliaOnde histórias criam vida. Descubra agora