REINO DE ARTENA
Sentado em uma cadeira no canto do quarto, Afonso observava Amália, que dormia serena na cama do casal. O sol ainda não tinha nascido, e sob o brilho das velas seu rosto estava calmo, tranquilo, tão belo quanto no primeiro dia que ela a vira. Em geral ela acordava quando ele se levantava, e aproveitava aquele momento da manhã junto com ele antes que ele fosse para o Castelo cumprir com suas obrigações, porém, esta manhã Afonso evitou fazer qualquer barulho, não queria acordá-la, preferia apenas admirá-la em seu sono, quando a mente da esposa estava no mundo de paz que os sonhos promovem.
Não quando temos pesadelos, pensou. E os pesadelos eram algo que perturbavam Afonso nos últimos dias, sonhos confusos, desesperadores. Em seu último sonho, viu Artena em chamas, as aldeias, os vilarejos, todos queimavam, e uma chama enorme irrompia do Castelo Real, ele corria para lá, gritava pelo Rei Augusto e por Catarina, mas tudo o que via era o fogo ardente, então um grito ecoou do alto da torre do Castelo, e ao reconhecer a voz de Catarina olhou para cima, ela estava lá no topo, mas ele nada pode fazer antes que ela saltasse, e impotente a viu ser engolida pelas chamas. Isso fora na noite passada, e ele acordou gritando e suando frio, sendo logo acudido pela esposa, que lhe deu um pouco de água para se acalmar. Afonso detestava pesadelos.
Sua avó sempre lhe dissera que os sonhos, e mesmo os pesadelos, eram uma forma dos deuses enviarem mensagens para as pessoas, um aviso, como um alerta. Mas para Afonso eles poderiam ser qualquer coisa, não havia como interpretá-los, tudo o que os sonhos traziam era uma confusão de imagens e momentos de aflição. Se os deuses realmente queriam enviar uma mensagem ou nos avisar de algo, deveriam ser mais específicos.
Desta vez ele nem tentara dormir, permaneceu toda a noite acordado, e apenas há pouco tinha se levantado e vestido seu uniforme da Guarda Real. Ele olhava fixamente para a esposa, e ainda não entendia como podia ter feito o que fez.
Ele amava Amália, tinha se casado com ela, abdicado de seu reino por ela, e ainda assim, a lembrança daquela noite insistia em voltar aos seus pensamentos, a imagem de Catarina caminhando pelo corredor do castelo, chorando por causa da briga com o pai, a caminhada deles pelo jardim, e por fim, aquele beijo.
Ela se aproximara dele, ela tomara a iniciativa de beijá-lo, mas ele não conseguiu impedi-la, sequer havia tentado. Foi como se tudo desaparecesse de sua mente, como se existisse apenas eles dois e aquele jardim. Naquele instante, naquele breve momento, Afonso não pensou em Amália, não pensou no seu reino nem no fato de que era apenas um soldado e não devia ter aquele tipo de liberdade com uma princesa, ele apenas pensava que aquilo, de alguma forma, parecia certo.
Mas aquilo estava errado, errado de todas as formas que poderia estar, e Catarina foi a primeira a se dar conta disso. Ele lembrava da sensação de segurá-la em seus braços, do toque de sua mão, macia e delicada em seu rosto, e do gosto de seus lábios quando se beijaram. Por um momento eles permaneceram ali, unidos por algo que ele não conseguia explicar, mas então sentiu as mãos dela empurrando seu peito, e ela se desvencilhou de seus braços e se afastou dele, sobressaltada.
Quando ela se afastou, seu primeiro instinto foi ir atrás dela, mas então ele pensou em Amália, e a completa noção do que acabara de fazer o atingiu. Ao ver Catarina andar em direção a saída, ele a chamou, queria explicar ou dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas o que ela respondeu foi "Você deve me chamar de Alteza", e depois desapareceu por entre as sebes.
Cinco dias haviam se passado, e ele não vira Catarina desde então. Na verdade, ele pediu ao Comandante Aquino o patrulhamento dos muros com a intenção de evitar esse encontro, achava melhor não ver a princesa tão logo, aquilo havia sido errado, ele era um homem casado, e mais do que isso, era um soldado real, ele não podia beijar a princesa a quem jurou servir, e muito embora quem tivesse iniciado o beijo tivesse sido ela, ela ainda era uma princesa, e ele apenas um soldado, um plebeu.
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A Grande Rainha - Contos da Cália
FanfictionExistem aqueles que nasceram para ser reis, que nasceram para ter seu nome escrito na eternidade e que mais do que tudo desejam a grandeza, e assim era Catarina de Lurton, princesa do reino de Artena. Prometida desde criança ao príncipe Afonso do re...