Capítulo 10

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CHRISTOPHER


Com os braços cruzados, examino a mala em cima da cama, tentando lembrar se esqueci de pegar alguma coisa. O equipamento fotográfico, como de costume, é sempre o primeiro a ficar pronto. Contudo, destoando de todos os seus pertences, encontra-se o pacote que fiz no dia anterior.

Pego-o e estendo diante de mim, analisando rapidamente. Graças à ajuda que tive da sobrinha do senhor Giuseppe, fiz um bom trabalho com o embrulho. Nem aparenta ter sido dobrado e desdobrado mil vezes, ou rasgado em pontos específicos e habilmente escondidos com fita. Está decente, o que já é um progresso para quem tem a fama de ser péssimo com tarefas do tipo.

Uma batida na porta chama a minha atenção. Olho para trás e encontro Yoan, que nem espera por uma aprovação para entrar. Coloco o pacote de volta na cama e fecho a bolsa de mão, não sem antes conferir o passaporte e a passagem.

Sentado na poltrona à alguns passos de distância, percebo de canto que Yoan acompanha silenciosamente meus movimentos que, sim, são uma tentativa esdrúxula de esquivar de prováveis perguntas.

O olhar do loiro recai sobre o embrulho na cama.

— Você vai mesmo entregar?

Paro no meio do quarto e o encaro. Reprimo um suspiro irritado e somente balanço a cabeça. Quantas vezes teremos que falar sobre isso? Eu já não estou com as malas prontas para ir embora? Qual é a merda de entregar o tal pacote?

— Onde vai encontrá-la?

— Na ponte Rialto.

— Dará tempo de chegar ao aeroporto?

— Claro que sim.

— Devo te esperar?

— Quantas perguntas... — bufo — Sim, pode me esperar. Apesar de que o seu voo sai quase uma hora depois do meu.

— Voos domésticos são tão burocráticos quanto os internacionais.

— Vamos lá, Yo, cartas na mesa. Ser sorrateiro não é o seu forte.

— Eu só estou preocupado. E você vai deixar as malas aqui. — dita, impassível.

Eu o observo, incrédulo.

— Mas que porra! Quantos anos você acha que eu tenho? Eu não vou fugir!

— Não se eu puder evitar.

— Qual é o seu problema?

— Só não quero que cometa uma besteira, Chris.

— E que tipo de besteira eu posso cometer? Eu só transei com ela.

— Não é o que parece para mim. – enfurece-se – Embora você seja muito sensato, Christopher, ficou tão aficionado naquela mulher do cabelo rosa que não duvido de mais nada, e eu não quero vê-lo arrependido mais tarde

Calo-me diante de suas palavras. Ele está malditamente certo. Merda! Eu não apenas passei as noites com ela, esbaldando-se em seu corpo, como a desejei além de quatro paredes. Como continuo desejando.

Quando eu disse que a queria, não foi somente pelo momento, eu reconheci a mim mesmo que a queria até demais. Ela virou minha pequena obsessão, da qual preciso me livrar o mais rápido possível e, em contrapartida, nego-me a deixar. Ao olhar para a cidade depois de transarmos de frente para o canal, com ela aninhada em meus braços, e perceber que a normal e típica viagem de trabalho rendeu algo muito além do que esperava, tudo ficou muito claro.

Eu tenho que partir. Não só por isso, mas também porque, apesar da vontade de ficar, desejo voltar para casa e para a minha verdadeira vida. Para a pessoa com quem tenho um compromisso e sinto tanta falta.

As emoções dentro de mim não poderiam ser mais conflitantes.

Nervoso com o rumo da conversa e dos meus sentimentos, passo a mão entre os fios do meu cabelo e caio sentado na cama. Cravo os olhos em Yoan. Eu odeio bancar o canalha, mas devo tomar a decisão mais correta e nesse caso é não sair daqui. Tenho que, mesmo no final, tratá-la como todas as outras - embora ela esteja longe de ser como as demais.

Bendita hora que foi pedir para que me encontrasse antes de ir. Como poderia me despedir quando eu mesmo não sei ao certo como lidar com isso? É uma verdadeira merda. Qual é o seu problema afinal?

Bem, eu nunca passei mais do que uma noite com minhas transas casuais e menos ainda experimentei aquela estranha conexão com nenhuma delas.

Soltando o ar com força, levanto e pego o embrulho. Queria entregar a foto que tirei e num impulso emoldurei para presenteá-la. Porém, se o intuito é deixá-la como somente uma aventura nessa viagem, não devo tornar isso importante ao dar um presente com um significado.

Sem pensar duas vezes, estendo-o para Yoan e digo:

— Livre-se disso.

— Então, você não vai?

— Não.

O loiro põe-se de pé e toca o meu ombro.

— Você está fazendo o certo.

— Eu ia fazer o certo. – respiro fundo – Agora vá dar um fim nisso, que logo teremos que pegar aquela porcaria de vaporetto para a Piazzale Roma.

Quando ele saiu, esfrego as mãos no rosto e desabo sobre a cama outra vez. "Como todas as outras, como todas as outras", digo a si mesmo. Talvez se continuar repetindo, um dia acreditarei nisso. Espero que sim.

Convicto de que fiz o que precisava, apanho o celular no bolso e abro a galeria. Vejo pela última vez as fotos que tirei de Rebecca ao longo da semana. E, uma a uma, apago todas. Até mesmo a da Piazza, no dia em que a conheci.

Com uma sensação amarga na boca do estomago, me aproximo da janela e desejo que meu pedido de desculpas chegue até ela, pois não irei encontra-la como disse.

Minha aventura cor de rosa termina por aqui.

À TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora