ELLIOT
— Elliot, alinhe a coluna! – Bernard grita, interrompendo o ensaio — Lembre-se que sua kinesfera é longa. Se não alinhar, vai perder o equilíbrio durante o impulso para o giro e cair... De novo.
Respiro frustrado pela terceira vez e consinto, jogando os cabelos úmidos pelo suor do esforço para trás. Por que essa merda de movimento não quer sair?
Relaxo os braços e as pernas, tentando mandar a tensão - e as divagações - para longe e focar na coreografia. Inspiro e expiro à fim de me preparar.
E lá vamos nós novamente.
— Mais uma vez. – ele diz, caminhando para próximo do aparelho de som – Da parte em que o solo da Emma termina. Transição de cena.
Me posiciono e a música recomeça. Repassando mentalmente a nova coreografia, vou seguindo o ritmo e desenrolando os passos conforme a cena acontece. No instante em que devo fazer o movimento que está me enlouquecendo desde os últimos ensaios, sigo a sua orientação. Estico o braço direito e a perna o máximo que posso, inclino o corpo para trás e dou um giro no meu eixo. Por um segundo, sinto que vou perder o equilíbrio e cair de novo, mas não acontece e enfim consigo executar o bendito movimento. Não foi perfeito, não chegou nem a ser dos melhores, mas saiu e é o que importa. Terei que ensaiar muito nos próximos dias para aperfeiçoa-lo.
Eu tenho bastante trabalho pela frente.
O ensaio perdura ao longo de toda a tarde. Sem receio de estar ultrapassando meus limites, repito e repito a coreografia milhares de vezes. Mas tenho a impressão de que não melhora mais do que um ou outro detalhe ridículo.
Temos uma apresentação fora do país e iremos estrear um espetáculo novo, no qual estamos trabalhando a bons meses e que fizemos constantes mudanças na coreografia. Por esse motivo, não está fluindo tão facilmente para mim quanto geralmente fluiria.
Bem, eu acredito que seja por isso e não porque os meus pensamentos estão repetidamente no que aconteceu a quase um mês.
Algo tem me tirado a calma desde que voltei para casa. Algo não e sim alguém. Aquela mulher sensual e de cabelos lilases com quem dancei e experimentei um dos melhores sexos dentro de um camarim, no Teatro Nacional de Munique.
Mais ou menos às oito horas, Bernard bate palmas, dando por encerrado o ensaio de hoje. Estou esgotado e nitidamente irritado. Odeio quando não consigo focar totalmente e cometo erros ridículos como os que cometi.
Pego uma garrafa de água e bebo quase metade em um gole. De soslaio, vejo-o se aproximar. Respiro profundamente. Torço a tampa com força e ponho a garrafa ao lado da minha bolsa. Volto-me para ele. Já imagino o que virá.
— Aquela é uma parte importante da coreografia, você sabe. – ele comenta — Sinto que está pegando o jeito, mas precisa melhorar. Temos apenas algumas semanas até a viagem e tudo tem que sair perfeito.
— Sim, eu sei.
— Faça algumas pesquisas e tente absorver o máximo que puder sobre esses estilos. Acredito que estudar possa ajudar com a dança e em como incorporar.
— Farei isso.
Bernard toca o meu ombro num gesto encorajador e se afasta para falar com os demais bailarinos.
Frustrado como a tempos não fico, deixo a sala de prática assim que somos dispensados e vou direto para o vestiário. Preciso de um banho.
Tenho que esfriar a cabeça.
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À Três
RomansaO amor tem várias faces, vários jeitos, várias interpretações. O coração não faz distinções, não escolhe entre o que é certo ou errado, assim como às vezes não se limita a querer apenas uma pessoa. Mas será que é realmente possível gostar de mais de...