YANNA
Dando o último trago no cigarro de cravo, encaro a fachada do prédio exageradamente alto e espelhado por um instante. Livro-me da bituca no lixo mais próximo e ajeito o envelope marrom debaixo do braço.
Sinto a brisa da tarde bater contra os meus cabelos, que estão num rosa desbotado porque estive ocupada (e com preguiça) demais para me preocupar em retocá-los. Minha combinação de calça estilo hippie dois números maiores e com estampas do deus Ganesha, rodeado por outros elementos indianos e igualmente chamativos no tecido vermelho e cinza, e camiseta folgada preta provavelmente faz de mim uma peculiaridade.
Não é o melhor dos visuais, principalmente para estar em Soho, uma das regiões da alta moda de Nova Iorque, mas é confortável e isso basta. Se bem que, eu não me importo de qualquer forma. Não nesse momento.
Depois de jogar um chiclete de morango na boca para amenizar o gosto do tabaco, empurro a grande porta de vidro giratória e vou direto para o balcão da recepção. Meus passos decididos contrastando com a minha aparência desleixada ganham alguns olhares pelo caminho, como sempre.
Assim que paro diante do lindo e largo guichê de mogno escuro, a conhecida moça de cabeços castanhos e presos num coque abre um sorriso.
— Oh, Yanna!
— Olá, Hylie. — sopro uma bola de chiclete para fora da boca, que demora alguns segundos para estourar, e sorrio — Tudo bem?
— Sim, sim. E você? A quanto tempo!
— Estou bem, obrigada. — sorrio mais uma vez, lançando a goma para a outra bochecha — Acho que faz cinco meses, desde a última vez.
— Tanto tempo?
Dou de ombros. Não lembro muito bem. Estive tão absorta no trabalho ultimamente, que não vi o tempo passar. Falando francamente, sequer recordo o que comi de manhã. Acredito seriamente que foi uma tigela de cereal e uma caneca de café. Nada muito distinto do que costume comer.
— Ele está livre agora? — pergunto, mudando de assunto.
— Claro. Deixou a recepção avisada de que você viria hoje. Só vou telefonar para anunciar que está subindo e...
— Não ligue. Vou fazer uma surpresa.
Um pouco desconcertada, Hylie me observa. São quase cinco da tarde e, embora todos na editora finjam, é de conhecimento geral o que acontece perto desse horário. Discrição não é muito o forte do editor chefe.
— Ah, eu não acho que...
— Ei, vamos lá! Deixe-me subir, sim?!
Encaro-a. Faço um sorriso sapeca brincar em meus lábios, assim como o chiclete. E em segundos, ganho a pobre moça. Sempre funciona.
Hylie suspira, possivelmente pedindo aos céus que o editor chefe não solicite a sua demissão por causa disso.
— Tudo bem. — diz, enfim — Pode subir.
Feliz por conseguir o que quero e ter a chance de surpreender o meu editor e amigo, caminho apressada para os elevadores antes que a recepcionista mude de ideia. E quase penso que tenha acontecido, quando a ouço me chamar.
Viro-me.
— Se ele me...
— Não se preocupe. — digo enquanto ando de costas em direção ao elevador — Se ele pensar em demiti-la, quebro-lhe a mão antes que possa assinar qualquer papel.
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À Três
RomanceO amor tem várias faces, vários jeitos, várias interpretações. O coração não faz distinções, não escolhe entre o que é certo ou errado, assim como às vezes não se limita a querer apenas uma pessoa. Mas será que é realmente possível gostar de mais de...